Hoje de manhã, depois de ralarmos, literalmente, dedos, braços, pernas etc. na limpeza de um bueiro que atravessa a estrada que dá para a entrada do sítio, a exaustão nos solapou. Descansamos enquanto almoçávamos e retomamos de onde paramos. Foi um dia inteiro de um tal de empurra-e-puxa terra, uma vez que o bueiro tem apenas quarenta centímetros de diâmetro, impedindo-nos de entrar nele. As ferramentas não especializadas nos exigiram o dobro do esforço que seria necessário em condições, digamos, profissionais. Enxada pequena, uma mangueira de água, um cano rijo e uma paciência de Jó. E no nosso caso sem as benesses divina, pois não era a alma que estava em jogo.
Acabamos deixando o serviço por ser terminado noutro dia. E também com a esperança de que ao tiramos por volta de setenta por cento do entulho, a enxurrada que vier pela estrada, complete nosso serviço. Foi o que deu para fazer. Mas, todos sabemos que a natureza não é nossa funcionária; nem é assim tão obediente. É bem capaz de ela fazer o que quiser com nossa estrada. Ninguém mandou fazer ali uma via e atrapalhar a vazão da água. E querer que a natureza trabalhe a nosso favor, a faz rir. Muita água virá até maio e esse bueiro será solicitado em extremo. Precisaremos ficar atentos para que a chuva não leve pelo bueiro todo o cascalho que foi colocado no dorso da estrada para que o carro possa rolar por ela sem nos deixar numa das curvas embarreadas. Valeu o esforço. A vazão da água possivelmente será boa o suficiente, até que encontremos uma solução melhor para sua limpeza.
Agora no escurecer do dia, depois de espalhar o cascalho coletado, quando lavávamos as ferramentas, vimos uma longa fila de jipeiros subindo pela estrada que vai ao Catiguá e depois Silvianópolis, olhando embevecidos a paisagem. Fiquei pensando que eles se divertiam e quem sabe até fantasiassem com a vida que levamos aqui na Serra do Cervo. Pois não é que eu ando por aquelas estradas, a pé, ladeado pelos nossos pequenos cães, olhando a espinha da cadeia de serras que se espalham pelo horizonte e não estou a passeio! Eu vivo aqui, pensei, tomado por um sentimento gostoso de viver junto a terra, que vem desde o escotismo lá na pequena serra que forma a cidade de Apucarana (não por acaso quer dizer "serra anã"). Depois, me recuperei, e achei que eles não gostariam de limpar tulhas e bueiros de estrada. Acredito que a eles basta a fantasia de nos imaginar aqui na orla da mata, com enxada na mão e barro até nas orelhas. Acabei me conformando que eles têm o que conseguem fazer consigo mesmos. Eu também. É brega dizer, mas digo assim mesmo: "Cada macaco no seu galho"! Não tenho certeza de que gostaria de andar de jipe por aí, sem parar e morar num rincão qualquer das serras que visitarão. Acabaria, é quase certo, trocando o passeio por uma vida rural.
Falava de exaustão! Agora preciso tomar um banho e dormir. Amanhã trabalho logo cedo em meu consultório e de camisa de manga comprida para esconder as raias de sangue daquela ralação que aludi acima. Dentro de dez dias estarão invisíveis... se é que não acabe ralando tudo de novo! Afinal, este tipo de trabalho não tem fim, lembram?
E já ia esquecendo! Amanhã à tarde começarei uma segunda horta para descansar a primeira. Significa tirar touceiras de braquiária no enxadão, cavoucar o chão... destorroar... capinar... por Thor, deus do trovão! Será uma ralação só!