domingo, 21 de março de 2010
Sursis para uma semana cheia!
Nos preparamos para um final de semana como os últimos: cheio de tarefas domésticas e trabalho rural. Fizemos a agenda: Vania tomaria sol pela manhã, enquanto eu correria lá embaixo na estrada. Depois era lavar a casa por dentro, lavar e passar roupas. Com o combustível faria algumas horas de roçada. Afiar as lâminas da roçadeira, limpar bem o filtro de ar, colocar graxa no cardã, limpa-la com um pano especial, misturar óleo na gasolina; afiar a foice para colher bananas, a faca para desalojar brocas.
De acordo com minha máquina de prever o tempo, haveria sol a vontade; dois dias inteiros de trabalho produtivo. Mas nem bem começou a tarde de sexta feira, ainda durante o dia de trabalho, Vania foi chamada para interceder em um complicadíssimo caso de herança num bucólico sítio nas cercanias de Congonhal, pequena e bela cidade a oeste de Pouso Alegre, a caminho de Caldas e Poços. Tomamos café com bolo na casa do Dito, produtor de verduras orgânicas e apresentador da senhora cuja herança estava em questão. Decidimos, já que terminara minhas tarefas na cidade e precisava passar na universidade, que eu iria junto e de lá iríamos para Espírito Santo do Dourado. A consulta foi demorada, pois o caso era mesmo intrincado. Voltamos tarde, já ao anoitecer. Ainda a tempo de ver a fulgurante tarde de sol já caído atrás dos montes de Congonhal. "Bom sinal!" pensei. "Dia claro para amanhã!" pensei orgulhoso com meu talento de adivinhar o tempo. Só não fiquei mais feliz porque nossa manhã de sábado já estava comprometida: Vania e sua sócia voltariam até o sítio daquela senhora para continuar a consulta e eu tinha uma reunião de emergência.
Por volta de meio dia estávamos fazendo nossas compras da semana que sempre fazemos na sexta. Ao sairmos à luz do dia, uma surpresa! A luz do dia desaparecera! Olhamos para os lados de nossa casa e vimos uma massa escura como breu, compacta, enorme, se deslocando de Congonhal para Espírito Santo do Dourado! Suas laterais despencavam do céu numa bruma cinza escura; em certos trechos dava para ver a lista escura da chuva descendo das nuvens e encharcando a serra. Falei: "Ainda assim levarei a gasolina. Pode ser passageira", fazendo de conta que isso não ameaçava os planos do dia. Vania me estimula: "Vamos tentar chegar antes dela em casa! Subir a estrada de terra não será simples. Com essa tromba d'água ficará um sabão!"
Corro mais. Chegamos com os primeiros pingos pesados e frios de nuvens muito altas. Os cães não nos esperam; estavam em outra companhia: Ovídio José e dois trabalhadores que foram buscar a madeira que lhe doáramos. Chove pesado, abundantemente, de cima abaixo. A serra acima de nossa casa desaparece numa nuvem de vapor e água aos borbotões. Almoçamos, tomamos café. A chuva passa. O caminhão dos rapazes tem dificuldades com a umidade; precisam de correntes nos pneus para descer até o portão e depois até a estrada de asfalto.
Para roçar estava molhado demais; para lavar a casa seria tarde demais e faria um barreiro. A preguiça nos espreitava e resolvemos assistir tevê deitados. A tevê apagou. Ouço: "Estou exausta!" Vania se aninha num lençol. A luz se apaga. A consciência se apaga. Penso que seu desaparecimento foi por um segundo; quando me dou conta havia passado quase uma hora. Vania parecia entregue ao descanso. Isso é uma raridade!
A consciência se acende. A luz não. Ligo para a CEMIG: "Qual a previsão de volta da energia elétrica?" "Dezenove horas, senhor." Erraram. Vania tomando banho de canequinha a luz de velas: "Você não acha que essa luz é mais romântica?" Sabemos no que dá essas meias palavras, esses meios tons, esses meios olhares. Depois o lanche a luz de velas. Leio Sursis de Sartre, por algum tempo. A luz volta depois da meia noite, nos acordando num susto; olhos ardendo com a claridade.
Para meu consolo a máquina de previsão deles falha tanto quanto a minha! Agora é esperar o próximo fim de semana e acreditar que minha faculdade de adivinhar o clima tenha voltado...
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