Mesmo com a chuva mirrada (que os vizinhos jocosamente chamaram de sereno) e com a terra rachada e desértica os caquis acabaram verdejando e apresentando as formações florais que depois virarão frutas. Alguns caquizeiros menos felizes despencaram suas próprias flores e frutos na esperança de gastar menos energia e conseguir produzir alguns frutos doces e carnudos. Dá pena ver o chão forrado de suas flores verdes! Mas a chuva só aparece no horizonte e caprichosamente rodeia por Pouso Alegre, Congonhal, Santa Rita do Sapucai e desaparece nos montanhas. Neste momento, o tal do "sereno", umedece discretamente as folhas do abacateiro e jabuticabeiras; do gramado irregular e dos pinheiros do pequenos bosque que ladeia a casa ao norte, antes do pomar.
Porém, mesmo em tais condições precárias o chão dá mostra de ter entrado no cio. Por mais improvável que seja, as plantas brotam pequenos nós verdes em suas saias e já dançam, ainda que timidamente, ao sopro da primavera, que está ali na esquina do mundo, quase à vista. Prova disto, são os pássaros pretos se acasalando nas nespereiras e após a cópula dando um voo rasante e girando em torno da fêmea. Esta, depois deste sexo bem vindo, penteiam as penas besuntando-as de óleo do seu reservatório no traseiro, escondido pelas penas do rabo. Em seguida, sai como flecha lançada pelo bodoque do instinto que os une, na direção que tomou o macho. Só o deus dos passarinhos sabe o que farão escondidos na mata. Nós, pobre mortais só sabemos o resultado. Uma profusão de pássaros pretos pipiando atrás de seus pais em galhos de amoreiras tentando convencê-los a regurgitar em seus papos o que eles tem nos deles.
Seu canto nupcial é uma das maravilhas da natureza! Nas tardes de primavera ouviremos por mais ou menos um mês a orquestra destas aves negras como carvão, incansáveis, até que seu negrume as confunda com o escuro da noite.
Falando em amoreiras... Colhemos bastante amoras para uma geleia. Amoras roxas, pois as pretas e brancas ainda estão industriando os frutos. As roxas são generosas, deitando seus galhos até o chão para que não tenhamos trabalho em colher seus dulcíssimos frutos. As brancas dão em árvores grandes com espinhos terríveis e pontudos nos troncos e galhos; as pretas são arbustivas, com espinhos até no invólucro verde que as sustem. Não são nada generosas; no máximo aceitam que nossos concorrentes - aves em geral - as devorem com sofreguidão.
Bem, as roxas não são generosas só conosco; de seus frutos de um roxo profundo, alimenta-se uma multidão de viventes. Desde insetos a corujas, curiangos, morcegos, raposas, até ratos e gambás, só para ficar naqueles que a solicitam à noite. Mas, creio que é durante o dia que a amoreira atinge seu apogeu. Trata-se de uma verdadeira babel de sons dos mais variados tipos de aves a pousar em suas galhadas pontilhadas dos cobiçados frutos. A lista é grande, mas os mais evidentes e coloridos são tucanos, gralhas de rabos brancos e amarelos, canários da terra, jacus e pombas do ar - as populares "fogo-pagou".
Então, ainda falando de amoras, acabamos de saboreá-las com biscoitos de maizena e queijo! Já tenho saudades dos meses que elas desaparecerão encolhidas em sabe-se-lá que meandros de sua árvore-mãe. Enquanto isso vou me esbaldando com os caquis...
(a foto mostra o vão na serra onde estão enraizadas as amoreiras)
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