Outro dia falei sobre a enchente de 1999/2000 momento em que o Cervo excedeu seu leito e quis irrigar sua várzea, como nos bons velhos tempos onde nós, os homens, nada havíamos feito contra sua natureza. Naquele fim de ano/começo de ano, ficamos isolados por alguns dias até que consertassem a Ponte do Cervo e pudéssemos ir até Pouso Alegre, ou mesmo, como no meu caso, voltar a São Paulo, a trabalho.
Pois as coisas estão se complicando por aqui! Hoje, quando voltávamos, Vania e eu, para casa, demos uma espiadinha lá para baixo da ponte. Da janela do carro vimos um rio até bem calmo, mas para nossa apreensão, cheio até as braquiárias que enfeiam suas margens. Ele está ao nível do chão de sua calha e isso num dia que choveu pouco, no entanto, com promessa de chuva na sua cabeceira até domingo que vem - ou seja, mais três dias! Amanhã, como plano de evacuação, vou comprar suprimentos para suportar um eventual isolamento!
Em Pouso Alegre bairros inteiros, tal como o São Geraldo, lá no Aterrado, estão alagados, sujos de barro, entulhados de lixo trazido das casas das regiões mais altas, somados ao lixo dos próprios moradores. No meio dessa insanidade do clima, chegando de ônibus, vi uma cena singela, descontado o trágico: dois meninos ciganos mergulham nas águas paradas do lado da Perimetral, enquanto um homem lavava suas roupas sobre um pedaço de cimento arrastado pela chuva, a poucos metros de suas barracas...
O que faz com que sobrevivamos a tamanhas desditas da sorte, como diria Vó Pina? Com que serenidade vamos entrando no rolo compressor da existência! Às vezes com a mesma inocência daqueles meninos mergulhando nas águas excedentes de uma noite trágica...
Mas, a inocência não salva; no máximo nos desculpa. A inocência é tocante; por isso nosso sofrimento é maior ao vê-la derreter na chuva sem trégua.
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