Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A “neve” da jabuticabeira, as abelhas e o homem da roça!









Chegou a hora do florescimento das jabuticabeiras! O que se vê nas fotos não são flocos de neve e sim suas flores coladas aos galhos, aos milhares. O pistilos brancos, brilhantes, com gotículas minúsculas, doces e cheirosas,atraem as abelhas que zumbem intermitentemente até a colméia que instalamos acima do pomar. Há algumas abelhas que não reconhecemos – as nossas são pequenas, agressivas e bastante trabalhadoras. Junto delas estão algumas gigantes (quase o dobro delas!) outras medianas e dóceis, seis ou sete variedades de marimbondos, jatai, mirins, mandaçaias e irapuás. Há ainda, formigas variadas (entre elas a mais interessada é a formiga-doceira) e, por fim, uma série de pássaros que se alimentam de suas flores (talvez de insetos que ficam nelas), especialmente o tico-tico. Não é privilégio das jabuticabeiras, mas, sem dúvida elas são as mais visitadas do pomar em número e variedade de bichos e insetos, empatando com as pitangueiras, em termos de visitantes. Porém as jabuticabeiras dão flores duas ou três vezes ao ano o que é um verdadeiro milagre na cadeia alimentar.
Não devo esquecer de dizer que elas dão flores mais de uma vez ao ano, porque Vania cuida de regá-las a vontade por todo o outono e inverno; sem isso e nada do que relato aqui aconteceria nesta proporção. Também temos 3 jabuticabeiras-do-mato, mas estas foram visitadas por pombas-do-ar que amam suas flores ainda no início de seu crescimento e o resultado foi trágico! Nenhuma ou muito pouca jabuticaba se salvará! Como disse, em outra ocasião, viver nos bosques requer vigilância, trabalho exaustivo, algumas frustrações, e eventualmente, alguma tragédia. Contudo, no geral, a vida corre solta e a exaustão é compensada com um festival de cores, sabores, aromas, sono reparador, corpo fortalecido pelo farto exercício, pensamentos focados e o sentimento de que se está mais próximo da uma vida de fato viva. Mas é para poucos! A exigência das estações, do crescimento das colheitas, do esforço diário realmente assusta a maioria.
Quando vejo o trabalho duro do homem do campo – eu não vivo do campo e sim no campo – vejo a injustiça cometida contra toda uma população que se esfalfa, à beira do desmaio, para que seus produtos sejam explorados por atravessadores e regateados pelos consumidores. Deveriam todos passar alguns dias tentando retirar alimento do chão para dar o merecido valor ao trabalho do sujeito da roça, muito particularmente aqueles que fazem a agricultura familiar e tentam escoar sua pequena produção nos centros urbanos. Vejo-os à beira da miséria trabalhando todos os dias de sua vida, da infância à velhice e mal conseguem a camisa que vão suar, as botinas que vão desgastar, sendo degradados a viver de aposentadoria do Estado, como sua última e única renda. Não sei que solução poderia haver para tal descalabro, mas sei muito bem – por viver entre eles, participando de uma associação de agricultura orgânica – que trabalham o mesmo tanto que o sujeito das grandes cidades, com as mesmas necessidades e os mesmos sonhos! Qual a diferença entre o sujeito do campo e o da cidade, para que haja tal discrepância de distribuição da renda? Talvez o primeiro item de uma agenda de cuidados com a situação, seja acabar com os atravessadores. Que vão plantar batatas, no asfalto, com enxadão de borracha no décimo terceiro inferno de Dante, eternamente, para pagar pelos males que causaram ao povo do campo! Acho que Dante deve excetuar as classes C e D das urbes, que também têm seus corpos, mentes e tempo da vida usados para enriquecimento imoral de uns quantos... Sobre o inferno leia em: http://www.levileonel.blogspot.com/


Furiosa como a água!


As águas que usamos para beber e no regamento geral da horta e flores, vêm de dois olhos d'água com mais ou menos 1100 metros de altitude. Nascem por debaixo de rochas gigantescas acima de nossa morada e descem por um vão na costa da serra como se fosse as curvas para dentro num corpo feminino. Aliás são vãos que formam regos delicados ladeados por colinas, como aquelas da mulher. Por isso acredito sempre estar me relacionando com o feminino quando arremedo por aqueles fundos buscando reunir a água que nos alimentará a todos. Os pequenos veios líquidos, delicados, são facilmente captados e, na sua docilidade, se deixam dirigir serra abaixo até caixas estrategicamente colocadas para distribuição pelo terreno. Mas, uma vez ali reunidos alguns milhares de litros de água, a realidade muda drasticamente. A domesticação do fluido se torna problemática, exigindo horas de engenharia aplicando um conhecimento puramente intuitivo, experimental. Arrocho algumas abraçadeiras de metal aqui e ali tentando que o líquido se mantenha onde quero que fique; aqueço as mangueiras de plástico em água quente para que, ao expandir, aceitem que se sejam empurradas com facilidade por sobre emendas que darão em aspersores sobre as plantas. Quando resfriam, as mangueiras se apertam, intimamente, e eu as uno com mais uma abraçadeira para que o serviço dure por alguns anos. Quando as caixas d'água enchem, meu orgulho de ter domado as centenas de libras de pressão que elas fazem contra o encanamento água vai por água abaixo. Lá está um pingo líquido aqui, ali e acolá, se imiscuindo por entre as abraçadeiras e mangueiras fortemente arrochadas. Limpo as mãos barrentas e enxugo o suor do rosto um pouco frustrado e penso: “Quem mandou se meter com esta mulher, suas dobras e seus fluidos?” Ela está devolvendo em fúria a domesticação impingida àquele dócil filete de água que descia sem esforço ou impedimento, tagarelando pelas pedras e árvores até desaguar no Cervo.