Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O frio, a infância e o outono!








O outono começou frio por aqui. Rapidamente, em três dias, foi de 22 graus a 7. Acordamos hoje, meio rijos, ainda desacostumados com o ar gelado. Mãos duras na água da torneira para fazer o café da manhã. Lá fora, às seis da manhã, o dia ressurge deslumbrante. Na madrugada parece que geou; nossa grama amarelou drasticamente! 
   Nem bem começou e o outono já me lembra a infância na casa de sapé, taipa e fogão a lenha nas manhãs frígidas de Apucarana; as alpargatas Roda quebrando gelo na estradinha que me conduzia à escola primária; os parcos agasalhos feitos de flanelas coloridas; o café com leite onde mergulhava o pão sem manteiga e comia com as mãos entanguidas; as calças curtas com os joelhos doloridos estalando escandalosos. Transido de frio, estudando encolhido na carteira insensível ao meu desconforto, ia desfiando letras e fazendo um rosário com elas até que acabavam por fazer sentido, sob a paciente insistência da digna Dona Lourdes. 
     Eu era pobre e não sabia! Mas logo essa realidade se descortinou... 
    Com o tempo acabei inventando outras riquezas para compensar aquela pobreza e acabei me dando conta de que além de pobres podemos viver na miséria - afetiva, física, social, moral e até, acreditem, econômica! Ou será que a última pode ser colocada em primeiro lugar na fila da existência?    

domingo, 4 de abril de 2010

As águas de abril e os Cambucis!

As águas de março foram substituídas pelas de abril. O que mudou foi o vento de outono, a queda maciça das folhas da amoreira e o frio dos pingos d'água. Hoje, Vania, Chefinho, Kely, Rabicho, Gabi e eu nos embrenhamos na mata de brotos espinhentos de Sansão do Campo, tentando detê-lo de outra vez aparar o sol de inverno e prejudicar nossos abacateiros, jambeiros, jamboleiros, mangueiras e outras árvores. Isso se deu, como já descrevi em outros momentos, quando nos mudamos para Santa Catarina e não pudemos contratar um trabalhador para o serviço de roça e limpeza do pomar. De maio a agosto do ano passado relatei nossa trabalheira com a recuperação do pomar. Como já prevíamos, algumas fruteiras como o kiwi e os caquis não produziram; chegamos tarde demais. Mas, por outro lado, ainda deu tempo de hoje colher grandes abacates de mais de quilo e chuparmos as primeiras ponkãs e mexericas cariocas do ano. Foi só alegria!
     No meio dessa lírica, porém extenuante atividade, Vania dá uma olhada para a serra vizinha, às minhas costas, e diz: "Dá uma olhada!" Nem precisei me virar; ouvia o barulho algo monótono da chuva pesada e densa roncando serra abaixo, esbatendo nas duras folhas das amoreiras - aquelas que despencam antes de todas - assim como nas copas cheias das centenas de jacarandás que protegem o regato a sessenta metros dali e serpeia serra abaixo indo ganhar, junto com muitas outras pequenas águas, o nome de Cervo. 
     Nos escondemos embaixo do Jambolão, cuja copa verde escura, tal como gigantesco guarda-chuva nos acolheu com toda sua paciência de gigante das árvores. Trabalhamos mais um pouco e colhemos abacates e os últimos cambucis da temporada. Nos despediremos deles nesta semana e só nos veremos, pelo menos para a colheita, no verão do ano que vem. Com os cambucis Vania fará mousses, bolos, licores, sucos e molhos para aves e peixes. Começa outra chuva e me despeço do cambucizeiro, prometendo no inverno carpir sua saia e chegar-lhe material orgânico. Em troca ele me prometeu todo fruto que possa consumir. Não me parece justo; dou apenas uma sobra de minhas horas para seu bem estar e ele dá tudo que sabe produzir. Antes que ele descubra essa falcatrua me adiantei e disse que é muita generosidade dele... quem sabe se eu afagar seu ego de Cambuci, elogiando suas folhas de verde rugoso e brilhante, sua copa de jardim, seu frescor e seus incomparáveis frutos agridoces, ele se sinta disposto a me ceder um pouco de seu viço e me adoce a boca nas chuvas do próximo verão.