Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

domingo, 21 de março de 2010

Sursis para uma semana cheia!


      Nos preparamos para um final de semana como os últimos: cheio de tarefas domésticas e trabalho rural. Fizemos a agenda: Vania tomaria sol pela manhã, enquanto eu correria lá embaixo na estrada. Depois era lavar a casa por dentro, lavar e passar roupas. Com o combustível faria algumas horas de roçada. Afiar as lâminas da roçadeira, limpar bem o filtro de ar, colocar graxa no cardã, limpa-la com um pano especial, misturar óleo na gasolina; afiar a foice para colher bananas, a faca para desalojar brocas. 
     De acordo com minha máquina de prever o tempo, haveria sol a vontade; dois dias inteiros de trabalho produtivo. Mas nem bem começou a tarde de sexta feira, ainda durante o dia de trabalho, Vania foi chamada para interceder em um complicadíssimo caso de herança num bucólico sítio nas cercanias de Congonhal, pequena e bela cidade a oeste de Pouso Alegre, a caminho de Caldas e Poços. Tomamos café com bolo na casa do Dito, produtor de verduras orgânicas e apresentador da senhora cuja herança estava em questão. Decidimos, já que terminara minhas tarefas na cidade e precisava passar na universidade, que eu iria junto e de lá iríamos para Espírito Santo do Dourado. A consulta foi demorada, pois o caso era mesmo intrincado. Voltamos tarde, já ao anoitecer. Ainda a tempo de ver a fulgurante tarde de sol já caído atrás dos montes de Congonhal. "Bom sinal!" pensei. "Dia claro para amanhã!" pensei orgulhoso com meu talento de adivinhar o tempo. Só não fiquei mais feliz porque nossa manhã de sábado já estava comprometida: Vania e sua sócia voltariam até o sítio daquela senhora para continuar a consulta e eu tinha uma reunião de emergência. 
     Por volta de meio dia estávamos fazendo nossas compras da semana que sempre fazemos na sexta. Ao sairmos à luz do dia, uma surpresa! A luz do dia desaparecera! Olhamos para os lados de nossa casa e vimos uma massa escura como breu, compacta, enorme, se deslocando de Congonhal para Espírito Santo do Dourado! Suas laterais despencavam do céu numa bruma cinza escura; em certos trechos dava para ver a lista escura da chuva descendo das nuvens e encharcando a serra. Falei: "Ainda assim levarei a gasolina. Pode ser passageira", fazendo de conta que isso não ameaçava os planos do dia. Vania me estimula: "Vamos tentar chegar antes dela em casa! Subir a estrada de terra não será simples. Com essa tromba d'água ficará um sabão!" 
    Corro mais. Chegamos com os primeiros pingos pesados e frios de nuvens muito altas. Os cães não nos esperam; estavam em outra companhia: Ovídio José e dois trabalhadores que foram buscar a madeira que lhe doáramos. Chove pesado, abundantemente, de cima abaixo. A serra acima de nossa casa desaparece numa nuvem de vapor e água aos borbotões. Almoçamos, tomamos café. A chuva passa. O caminhão dos rapazes tem dificuldades com a umidade; precisam de correntes nos pneus para descer até o portão e depois até a estrada de asfalto. 
    Para roçar estava molhado demais; para lavar a casa seria tarde demais e faria um barreiro. A preguiça nos espreitava e resolvemos assistir tevê deitados. A tevê apagou. Ouço: "Estou exausta!" Vania se aninha num lençol. A luz se apaga. A consciência se apaga. Penso que seu desaparecimento foi por um segundo; quando me dou conta havia passado quase uma hora. Vania parecia entregue ao descanso. Isso é uma raridade! 
     A consciência se acende. A luz não. Ligo para a CEMIG: "Qual a previsão de volta da energia elétrica?" "Dezenove horas, senhor." Erraram. Vania tomando banho de canequinha a luz de velas: "Você não acha que essa luz é mais romântica?" Sabemos no que dá essas meias palavras, esses meios tons, esses meios olhares. Depois o lanche a luz de velas. Leio Sursis de Sartre, por algum tempo. A luz volta depois da meia noite, nos acordando num susto; olhos ardendo com a claridade.
     Para meu consolo a máquina de previsão deles falha tanto quanto a minha! Agora é esperar o próximo fim de semana e acreditar que minha faculdade de adivinhar o clima tenha voltado...