Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Bom ano novo a todos! E para a Pretinha também!

Todo final de ano é  a mesma coisa! Rever os acontecidos e planejar o que fazer para o próximo ano. A frase certa seria rever o que conseguimos cumprir e refazer os votos para o próximo ano. Porque acontecimentos são um tanto quanto imprevisíveis e prever acontecimentos é da ordem das mancias. Não que isso não seja prática muito comum, com leitores de cartas, mapas astrais, da mão e outras adivinhações, se esmerando em traduzir sinais secretos que nos possam guiar pelo ano que começa.
Bem, como não tenho a menor disposição para adivinhações e leituras de sinais esotéricos, fico a mercê do intangível, sem nenhum controle sobre essas cartas secretas, onde o futuro é escrito. Vou caminhando às escuras, tateando as paredes da existência, para ver se encontro uma porta ou janela por meio das quais possa eu ver a paisagem ou um caminho.
Tudo isso, para dizer que desejo a todos, que por aqui passam, um grande ano novo, mesmo que não possam dominar todos os acontecimento que virão. Talvez meus votos valham pelo que de humano possuem: o honesto desejo de causar conforto aos que dividem esse planeta e esse tempo. Então, que tenham vocês um ano repleto de bons pensamentos, de estratégias funcionais para vencer as vicissitudes diárias e que possam amar e serem amados por alguém que respeitam e sentem a falta. 
Por fim, que o ano de 2011 seja um ano que consolide seus desejos mais prementes.
Até mais!

Ps.: Creio que a cadelinha da foto, nossa mais nova convidada a viver na Serra do Cervo, que estava perdida por estas bandas, bem poderia esticar os votos e desejar que nós todos sejamos generosos com nossos pequenos grandes amigos, senão porque são cães, apenas por que são seres vivos. As pessoas que de fato, uma vez apenas, olharam no fundo dos olhos de um bichinho vivo, aqui representado por um cão, nunca mais serão os mesmos. Sofrerão profunda transformação na visão que tem da vida. São os votos da Pretinha...!
(não confundir com a foto de outra cadelinha, blogada há alguns meses; aquela era a Pepita, lembram?, encontrada num supermercado).

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Celulares e rabanetes!

Há boas razões para que eu invista em minha horta, no pomar e nos cuidados à volta da casa. Cuidar do entorno da singela casa é a forma mais imediata de celebrar a vida junto às árvores, às nascentes e ao chão. Dormir no silêncio denso da serra, não se trata de largar-se numa noite sem sons; pelo contrário, é um silêncio cheio, variado, repleto de pequenos sons. São conversas as mais diferentes entre si: o pipiado de alguns pássaros noturnos, particularmente a coruja e o curiango; os grilos e lufar de mariposas; e um sem-fim de folhas roçando em folhas.
A horta e o pomar, sem dúvida, representam uma fonte de sabores que misturam nutrição com poesia - cores com formatos os mais inusitados, porque orgânicas, sem os brilhantes tons artificiais das hortaliças e frutas mantidas a agrotóxicos.
Tudo isso junto, certamente justifica viver à margem dos limites territoriais da cidade; uma vida sem os sobressaltos dos muros e cercas elétricas - e não estou falando de São Paulo e outras cidades. Nas pequenas também nasceram cercas elétricas qual cipó agressivo contra as quais não há manejo, defesa ou capina. As casas das cidades mineiras pouco a pouco vão se enfeiando com essas muralhas de segregação. Sei que sou um sonhador, mas não estou sozinho nisso - Lenon que me perdoe a má tradução. Pelo menos Vania e alguns vizinhos que jamais estiveram pelos mundos que estivemos, formam um conluio contra esses sintomas sociais que misturam os mais estranhos sintomas da psicanálise: esquizofrenia, perversão e outras figuras freudianas.
Creio que o que vivo não pode ser chamado a compor uma recomendação de como se deve viver. Mas, razoavelmente livre dessas amarras (pois livre nem o santo shivaista que vive nos montes que circundam o Everest de fato está), vou fazendo alguma força contra essa sanha destruidora. Pequena, na verdade ínfima, resistência aos chamados vazios das formas de vida ultramoderna. Para isso, me regozijo, e nisso Vania chega a ser mais gritante que eu, com os rabanetes que se apressaram em inchar com seu picante suco; com as folhas robustas das couves manteigas; com os macios caquis vermelhos - como se isso fosse o suprassumo do viver.
Ok, já sou acusado de alienação, de conservadorismo, de comodismo mesmo. Não me importo. Não saberia viver doutro modo, e não respeito o modo de viver da maioria ofuscada pelos dispositivos modernos, sem ao menos precisar deles. Argumentei com um colega de viagem a São Paulo, que a necessidade me faria mudar de celular. Por enquanto, não sabia de nenhuma necessidade nova que me fizesse mudar de aparelho. Mas o espertinho me disse: E quem está falando de necessidade? Estou falando de ostentar, de não ficar para trás, de seduzir os olhares!
Preciso aprender novos termos para conversar com os usuários de celular, computador, Ipad, Ipod e outros, pois eles não se interessam por rabanetes orgânicos, sustentabilidade ambiental ou reciclagem. Estou me sentindo um pouco fora de moda, apesar destes serem os assuntos mais atuais no mundo!

domingo, 10 de outubro de 2010

Da chuva e suas vicissitudes!

    Hoje de manhã, depois de ralarmos, literalmente, dedos, braços, pernas etc. na limpeza de um bueiro que atravessa a estrada que dá para a entrada do sítio, a exaustão nos solapou. Descansamos enquanto almoçávamos e retomamos de onde paramos. Foi um dia inteiro de um tal de empurra-e-puxa terra, uma vez que o bueiro tem apenas quarenta centímetros de diâmetro, impedindo-nos de entrar nele. As ferramentas não especializadas nos exigiram o dobro do esforço que seria necessário em condições, digamos, profissionais. Enxada pequena, uma mangueira de água, um cano rijo e uma paciência de Jó. E no nosso caso sem as benesses divina, pois não era a alma que estava em jogo.
    Acabamos deixando o serviço por ser terminado noutro dia. E também com a esperança de que ao tiramos por volta de setenta por cento do entulho, a enxurrada que vier pela estrada, complete nosso serviço. Foi o que deu para fazer. Mas, todos sabemos que a natureza não é nossa funcionária; nem é assim tão obediente. É bem capaz de ela fazer o que quiser com nossa estrada. Ninguém mandou fazer ali uma via e atrapalhar a vazão da água. E querer que a natureza trabalhe a nosso favor, a faz rir. Muita água virá até maio e esse bueiro será solicitado em extremo. Precisaremos ficar atentos para que a chuva não leve pelo bueiro todo o cascalho que foi colocado no dorso da estrada para que o carro possa rolar por ela sem nos deixar numa das curvas embarreadas. Valeu o esforço. A vazão da água possivelmente será boa o suficiente, até que encontremos uma solução melhor para sua limpeza.
    Agora no escurecer do dia, depois de espalhar o cascalho coletado, quando lavávamos as ferramentas, vimos uma longa fila de jipeiros subindo pela estrada que vai ao Catiguá e depois Silvianópolis, olhando embevecidos a paisagem. Fiquei pensando que eles se divertiam e quem sabe até fantasiassem com a vida que levamos aqui na Serra do Cervo. Pois não é que eu ando por aquelas estradas, a pé, ladeado pelos nossos pequenos cães, olhando a espinha da cadeia de serras que se espalham pelo horizonte e não estou a passeio! Eu vivo aqui, pensei, tomado por um sentimento gostoso de viver junto a terra, que vem desde o escotismo lá na pequena serra que forma a cidade de Apucarana (não por acaso quer dizer "serra anã"). Depois, me recuperei, e achei que eles não gostariam de limpar tulhas e bueiros de estrada. Acredito que a eles basta a fantasia de nos imaginar aqui na orla da mata, com enxada na mão e barro até nas orelhas. Acabei me conformando que eles têm o que conseguem fazer consigo mesmos. Eu também. É brega dizer, mas digo assim mesmo: "Cada macaco no seu galho"! Não tenho certeza de que gostaria de andar de jipe por aí, sem parar e morar num rincão qualquer das serras que visitarão. Acabaria, é quase certo, trocando o passeio por uma vida rural.
    Falava de exaustão! Agora preciso tomar um banho e dormir. Amanhã trabalho logo cedo em meu consultório e de camisa de manga comprida para esconder as raias de sangue daquela ralação que aludi acima. Dentro de dez dias estarão invisíveis... se é que não acabe ralando tudo de novo! Afinal, este tipo de trabalho não tem fim, lembram?
    E já ia esquecendo! Amanhã à tarde começarei uma segunda horta para descansar a primeira. Significa tirar touceiras de braquiária no enxadão, cavoucar o chão... destorroar... capinar... por Thor, deus do trovão! Será uma ralação só!   

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Chove chuva, chove sem parar!

Chove como há muito não se via! Quase o tempo todo. É um aguaceiro de encharcar o mundo, pelo menos aquele que meus olhos podem abarcar em uma só olhada. Lá embaixo, o vale do Cervo, particularmente sua cava, desaparece na imensidão de pingos que despencam um do lado do outro, caprichosos e úmidos. Formam uma cortina de delicado brocado prata ou cinza bem claro que me impede de ver o dorso das colinas que ladeiam o rio. O concerto das gotas grossas e miúdas caindo sobre folhas largas, lisas, enrugadas, compridas e camurçadas acabam abafando todos os outros sons do bosque. Disseram, os especialistas em traduzir o que as nuvens dizem, que choverá ainda por mais dez ou doze dias ininterruptamente; é uma festa para as plantas que anseiam por água há meses.
    Mas, como tudo tem seu lado, digamos, menos cor de rosa, e até mesmo escuro, agora vamos passar por meses de vicissitudes com o barro, com a roçada quase que semanal do capim e pequenos ramos que alegremente crescem e nos apavoram com sua invasão. Sem pedir licença. Apesar disso no horizonte, a verdade é que vamos comemorar ainda por um bom tempo a felicidade líquida que jorra dos céus. Respirar esse ar úmido e limpo é tudo de bom. Ver o pomar juntando seus frutos nos ramos é uma epifania. Ver as árvores aproveitando para crescer ainda mais é muito confortante. 
    Chuva?! Quem venha mais!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O cio na terra e nos ares!

     Mesmo com a chuva mirrada (que os vizinhos jocosamente chamaram de sereno) e com a terra rachada e desértica os caquis acabaram verdejando e apresentando as formações florais que depois virarão frutas. Alguns caquizeiros menos felizes despencaram suas próprias flores e frutos na esperança de gastar menos energia e conseguir produzir alguns frutos doces e carnudos. Dá pena ver o chão forrado de suas flores verdes! Mas a chuva só aparece no horizonte e caprichosamente rodeia por Pouso Alegre, Congonhal, Santa Rita do Sapucai e desaparece nos montanhas. Neste momento, o tal do "sereno", umedece discretamente as folhas do abacateiro e jabuticabeiras; do gramado irregular e dos pinheiros do pequenos bosque que ladeia a casa ao norte, antes do pomar.
     Porém, mesmo em tais condições precárias o chão dá mostra de ter entrado no cio. Por mais improvável que seja, as plantas brotam pequenos nós verdes em suas saias e já dançam, ainda que timidamente, ao sopro da primavera, que está ali na esquina do mundo, quase à vista. Prova disto, são os pássaros pretos se acasalando nas nespereiras e após a cópula dando um voo rasante e girando em torno da fêmea. Esta, depois deste sexo bem vindo, penteiam as penas besuntando-as de óleo do seu reservatório no traseiro, escondido pelas penas do rabo. Em seguida, sai como flecha lançada pelo bodoque do instinto que os une, na direção que tomou o macho. Só o deus dos passarinhos sabe o que farão escondidos na mata. Nós, pobre mortais só sabemos o resultado. Uma profusão de pássaros pretos pipiando atrás de seus pais em galhos de amoreiras tentando convencê-los a regurgitar em seus papos o que eles tem nos deles.
     Seu canto nupcial é uma das maravilhas da natureza! Nas tardes de primavera ouviremos por mais ou menos um mês a orquestra destas aves negras como carvão, incansáveis, até que seu negrume as confunda com o escuro da noite.
      Falando em amoreiras... Colhemos bastante amoras para uma geleia. Amoras roxas, pois as pretas e brancas ainda estão industriando os frutos. As roxas são generosas, deitando seus galhos até o chão para que não tenhamos trabalho em colher seus dulcíssimos frutos. As brancas dão em árvores grandes com espinhos terríveis e pontudos nos troncos e galhos; as pretas são arbustivas, com espinhos até no invólucro verde que as sustem. Não são nada generosas; no máximo aceitam que nossos concorrentes - aves em geral - as devorem com sofreguidão. 
      Bem, as roxas não são generosas só conosco; de seus frutos de um roxo profundo, alimenta-se uma multidão de viventes. Desde insetos a corujas, curiangos, morcegos, raposas, até ratos e gambás, só para ficar naqueles que a solicitam à noite. Mas, creio que é durante o dia que a amoreira atinge seu apogeu. Trata-se de uma verdadeira babel de sons dos mais variados tipos de aves a pousar em suas galhadas pontilhadas dos cobiçados frutos. A lista é grande, mas os mais evidentes e coloridos são tucanos, gralhas de rabos brancos e amarelos, canários da terra, jacus e pombas do ar - as populares "fogo-pagou".
      Então, ainda falando de amoras, acabamos de saboreá-las com biscoitos de maizena e queijo! Já tenho saudades dos meses que elas desaparecerão encolhidas em sabe-se-lá que meandros de sua árvore-mãe. Enquanto isso vou me esbaldando com os caquis... 
(a foto mostra o vão na serra onde estão enraizadas as amoreiras)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Um chuvisco e tudo muda!

Hoje, depois de 120 dias sem água do céu, cá estamos recebendo os primeiros pingos na cabeça, nas orelhas e costas. A fumaça do horizonte, queimando por uma semana, já é substituída por uma névoa de gotículas descendo em direção a encosta da Serra do Cervo.  Insuficiente, claro, para fazer verdejar a roça, mas umedeceu o ar e já podemos senti-lo entrando com mais facilidade pelas narinas. A mata fumegando, ainda não sentiu nenhum enfraquecimento. Os pássaros-pretos voltaram de sua longa ida para não sei que lugar. De volta, tratam de fazer sua prole aumentar e preparam ninhos nos pinheiros em frente da casa ou nas bouganvilles.
As jabuticabeiras estão carregadas. Algumas são do tipo selvagem e vieram antes das comuns e por isso foram devoradas pelos sabiás, sanhaços, tirivas, maritacas e outros. Até os jacus e tucanos se aproximam no fim do dia para degustar essa iguaria - coisa que não existe na mata, assim de graça.
    Durante os últimos 40 dias, Vania irrigou-as, religiosamente; daí que temos estas frutas negras e suculentas antes de todos os outros que deixaram por conta da chuva, que teimou em não vir. Além disso, como escrevi em outro momento, nossa água aumentou muito nos últimos anos, pelo trabalho de conservação da mata, o que nos deixou a vontade para usa-la sem culpa.
Ontem deixei Vania a meio caminho, no sítio do Dito e da Lia, donos do restaurante Recanto das Orquídeas, que já referi no passado, aqui mesmo. Enquanto passei o dia atendendo no consultório, Vania colheu morangos para fazer licor e geléia e fez um doce de Azeitonas do Ceilão (ao lado) que depois progrediu para uma mousse da fruta. Seu sabor, agridoce e adstringente, é sempre uma exótica experiência. Nada se compara a sua agudez entre o meio e final da língua! Vale a pena conferir. 
Hoje alguns de seus clientes devem ter tido o raro prazer do doce e mousse feitos com elas.
Dito é o presidente da AAECOMINAS, uma associação de produtores orgânicos, e ele mesmo planta orgânicamente verduras, e agora morangos, que acaba vendendo em feiras na cidade. Homem de convicções fortes, há doze anos vem produzindo orgânicos na tentativa de fazer frente aos produtos de horta e pomar envenenados, oferecidos ao cidadão de Pouso Alegre e região. Seu restaurante é famoso por reunir o cardápio mineiro a alimentos isentos de venenos e insumos. Em ambiente delicado com atendimento preciso de Lia, dos filhos Julio Cesar e Junior e do próprio Dito, cada um que lá passa uma tarde de sábado, domingo ou feriado, sai com a viva impressão de ter feito um saudável retiro das obrigações cotidianas. Já ao passar ao lado de sua plantação, por uma viela tomada de flores, ficamos mais leves.

Além do horizonte perdido! (escrita em 01.09.10)

    Ontem, por volta das dez da noite, resolvi passear com os cinco cães da casa. É verdade que até uns trinta dias atrás eram quatro, mas agora chamamos, para fazer ombro com a trupe, uma cadelinha preta com um losango branco no peito, abandonada na frente do estacionamento de grande supermercado em Pouso Alegre.
É a Pepita; sagaz, criada até os cinco meses na rua, com traquejo para saquear lixo e perseguir pequenos pássaros, mas de índole afetiva. Aceitou logo nosso oferecimento, o que foi uma honra para nós; ela poderia nos rejeitar como acontecera há pouco com outra cadela solta às beiras da rodovia que dá em Machado. Se negou a deixar que chegássemos sequer a lhe dar comida ou qualquer outro carinho. Nos manteve heroicamente a distancia até que um dia desapareceu da beira da estrada. Por vários dias, e mesmo ainda ontem, dois meses depois, com um olhar comprido, perscrutei as casas da beira de estrada para ver se havia alguma sombra dela. Nada! Acordei do devaneio com a frase: "Acho que a mulher do restaurante achou ela e levou-a para casa". Era Vania me colocando de novo no eixo da realidade. Acedi, mas algo em mim se recusa a admitir, na totalidade, que não a verei de novo.  
    Bem, a julgar pelo título não era da Pepita e da cadela desconhecida de beira de estrada que eu ia falar... Olho pela janela e me lembro! Nosso passeio foi preenchido de pensamentos sombrios. Tão sombrios quanto a fumaça preta de imensa fogueira feita de árvores centenárias no horizonte a leste de nossa morada. Fumaça de uma queimada que subiu a serra que coroa Santa Rita do Sapucaí, cidade que, em noite escura podemos ver o clarão das lâmpadas no céu ou nas nuvens. Mas ontem não se tratava de brilho do artifício humano, embora bem pode ter sido pelas mãos de um homem que tudo acabou ardendo. Eu e Vania olhamos longamente o colar de fogo abrasando uma imensa faixa de mata nativa. Amargos, apreensivos com a vida que foi consumida pelas labaredas, lamentamos profundamente o que o vimos. Talvez soframos mais que a média da população por termos vivido nossa infância no meio rural (eu em Apucarana no Paraná e Vania em Monte Santo de Minas), depois por trinta anos no centro de São Paulo e finalmente decidimos viver um meio termo entre cidade e campo. Estas chamas nos atingem mais no centro do ser.
   Afinal, plantamos milhares de árvores no deserto de pastagens que aqui encontramos; temos uma intimidade formidável com os bichos silvestres que para aqui migraram por força da verdadeira revolução que fizemos no microsistema. Só como exemplo, a dezena de abacateiros que aqui fizemos vegetar, produz frutos que são devorados por quase todas as espécies e tamanhos de bichos e insetos. A lista é longa, mas os mais, digamos, raros, são lobos, tatus canastras, macacos (sauás, bugios, micos), cervos, cachorros do mato, gatos do mato, tucanos, gralhas, pássaros coloridos que não sei nomear; além de uma dúzia de diferentes marimbondos, com suas bundas compridas rajadas, pintadas, luzentes, foscas; das moscas e mosquitos, borboletas etc etc. Para não falar de mangueiras na orla do bosque, castanhas do ceará espalhadas pelos alqueires de árvores nativas; um hectare e meio de bananeiras e um pomar que já citei aqui - com uma variedade próxima de sessenta tipos de frutas.
   A mata fumará pelo menos por uma semana, tal como outras queimadas que vimos há dias na direção de Pouso Alegre, Silvianópolis e Congonhal, nos apresentando um sombrio horizonte para nosso futuro. Hoje, olhamos para a borda das serras, os olhos ardendo e rezando para os deuses da chuva terem pena de nossa agonia. Mas, como todos os deuses das religiões eles se apresentam surdos e cegos ao nosso destino. Afinal, resta-nos conclamar, como já fazemos ao nosso redor, há pelo menos dezesseis anos, que outras pessoas, se incomodem com o ardume nos olhos e na existência, ao ponto de plantarem árvores frutíferas e ciliares, fazendo força contrária ao curso dos acontecimentos. Hoje, mesmo com as boas almas ecológicas trabalhando incessantemente para verdejar o mundo, nosso horizonte se esfuma trágicamente...

domingo, 8 de agosto de 2010

O sítio de ontem e de hoje!

As duas fotos ao lado são amostras muito pálidas de como encontrei meu quintal quando nos mudamos de volta lá de Balneário Camboriu, em Santa Catarina. Ao migrarmos para lá, emprestamo-la a um jornalista, que a deixou, sem nos avisar, tal como se pode ver nos detalhes. Havia madeira apodrecendo, encostada na tulha, cuja vista era impedida por capim napiê de dois a três metros de altura; a grama do quintal foi tomada por capim braquiária e na segunda foto mal se pode ver o canil cercado por pés enormes de assa-peixes, capim e ervas daninhas. Compare-se com as fotos posteriores, depois de um ano de trabalho e paciência com o capim, cortando-o religiosamente a cada duas semanas e temos o quintal das últimas fotos. Onde havia o napiê voltou a ser nossa singela horta e onde estavam os assa-peixes e erva daninhas avançamos ainda mais um quintal florido.


Hoje muitos meses depois, após um trabalho braçal gigantesco, conseguimos, Vania e eu, dar conta do recado. Não acabamos ainda; melhor dizendo, há muito o que fazer, mas não se compara o que vimos então, com o que vemos agora. Tudo roçado, as árvores podadas com respeito, a encosta do pomar já recuperada e suas árvores frutíferas, já carregadas. No primeiro ano, no máximo colhemos laranjas, que são rústicas e teimosas. De resto, nada mais. Mesmo sem acabar o processo, no correr desse segundo ano de recuperação, já colhemos calaburas, jaracatiás, figos, algumas mangas, abacates aos montes (estes também são teimosos); colhemos ainda algumas cabeludinhas, graviolas e nêsperas.
 Agora já posso vislumbrar uma primavera abundante de flores e frutos no verão. Tenho, a cada dia, me iniciado em alguma arte de sobrevivência aqui neste bosque plantado por nossas mãos. Como exemplo aprendi a construir portões de ripas para conter nossos cães enquanto vamos a cidade a trabalho. Fincar mourões e esticar arame farpado foi um desafio e tanto! Sem a prática do homem do campo, acabei usando umas luvas de borracha especial para reduzir os estragos na pele da mão; ainda assim, alguns cortes foram inevitáveis. 
Dominar a arte de conduzir água por curvas de nível também foi um drama. Usei, digamos o golpe de vista. Dizem que foi sorte de principiante! Mas não podem esquecer que a água por si mesma nos ensina por onde quer escorrer... 
Acabei conseguindo que nossa horta desse novamente morangos, além dos itens de verduras e alguns frutos de horta. Foi um feito, porque decidimos que seriam morangos orgânicos (como tudo que plantamos), e todo mundo acha que morango sem veneno é quase um milagre; nasce pequeno, feio, pouco saboroso, pouco nutritivo - um zero à esquerda, afinal! Mas em minha horta eles reluzem, escarlates, ao sol da manhã. Um espetáculo! (nota posterior: há o caso dos produtores da AAECOMINAS que obtém resultados maravilhosos e mesmo mais bonitos do que aqueles com veneno; creio que todo trabalho ecológico com frutas delicadas como os morangos acabam conseguindo esse "milagre" Veja postagem de http://avidanaserradocervo.blogspot.com/2009/07/aaecominas-e-o-recanto-das-orquideas.html e também: http://avidanaserradocervo.blogspot.com/2010/09/um-chuvisco-e-tudo-muda.html )

E assim é que vai continuando a história daquele sítio abandonado por quase ano e meio, entre 2007 e 2008. Não há nem mais sinal da passagem do tal jornalista!     

PS.: A data das duas primeiras fotos na verdade deveriam ser de outubro de 2008, não fosse minha dificuldade em acertar a programação das informações. As outras fotos indicam que isso não é mais um problema; me senti um macaco do "2001-uma odisséia no espaço", depois de bater com uns cacos de ossos sobre seu visor, apareceu o obelisco misterioso que tudo explicava. Pulei como aqueles macacos, para cima e para os lados, guinchando de alegria por colocar a data certa em minhas clicadas. De lá para cá me vanglorio de já ter entrado na idade média da informática!!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Vó Pina foi ao sambódromo!

     Vó Pina diz que tem vergonha de viajar de primeira classe, quando vai visitar parentes; se bem que mais recebe visitas do que faz, especialmente depois de seus cem anos. No último aniversário fez uma cena daquelas quando um sobrinho disse que queria lhe dar um bilhete para assistir de camarote a passagem das escolas de samba no Rio. Questionou o "popular" da festa, levantou-se e fez discurso sobre apartheid social no Brasil, disse que ia mostrar a constituição para os criadores do evento. Foi muito custoso faze-la acalmar-se, porque leva-la a compreender o fato, sabíamos impossível. Só não fiquei constrangido pelo entusiasmo que um ou outro conhecido nosso mostrou para com suas ideias anarquistas. Sem bem que todos estavam bêbados como gambás, se é que gambá bebe. E bêbados pouco podem ser totalmente responsabilizados pelo que dizem ou deixam de dizer. O que posso adiantar é que vó Pina não havia bebido, cachaça, pelo menos, sem bem me lembro.
      Por quê tem vergonha de camarotes em espetáculos e primeira classe em avião? Só Deus sabe! Ela diz para perguntarmos aos humilhados usuários destes serviços e que não podem pagar o preço desse mimo. Não que não tente explicar! Ela tem uma teoria para cada um de seus ataques de raiva. Neste caso, se pergunta como uma sociedade pode se chamar sociedade (ela explica que socius quer dizer algo como amigo), se o que caracteriza sociedade é exatamente a exploração, separação, não distribuição da riqueza etc. Como alguém pode dormir tranquilo se vive numa mesma sociedade dividida em ricos e pobres? Perguntou ela, no meio de uma conversa sobre canapés e pastéis. 
      Há anos venho tentando lhe explicar que os cidadãos acreditam que há pessoas que nascem ricas e outras pobres, que são seus destinos, que Deus quis assim; que uns merecem outros não, que uns são mais inteligentes e outros são, digamos, para não ser politicamente incorreto, menos focados nestas coisas. Disse ainda sobre teorias neo-liberais e de capital de Estado; da primeira, que todo mundo tem oportunidades iguais; da segunda, que o Estado nos proporciona os mesmo direitos e técnicas, basta querermos...etc etc.
      Fiquei pensando que ela um dia pode ter se decepcionado com suas sonhações de jovem, tal como Emma Bovary, de Flaubert, que certa vez foi a um baile na cidade mais próxima e assistiu a riqueza de perto, sem poder tocá-la de fato, porque havia um muro de corpos, ritos e disciplinas que ela não podia reproduzir. Durante o baile pode assistir a riqueza, falar sobre ela e até mesmo imaginar-se no lugar de algumas daquelas madames - ela que era tão mais linda! Mas era só isso! Nada mais. A riqueza deslizava em valsa perante seus olhos e até mesmo se deixava tocar de leve; roçar-lhe o tecido; em certo momento até mesmo flertar com ela - um flerte e nada mais! A riqueza parecia saber seu destino certo; e não era Madame Bovary.
     E não foi vó Pina, mesmo com seu porte altivo. Não que lhe seja leve o corpo magro. A altivez não vem de seu nascimento; vem-lhe de um fino faro para as sutilezas dos desvarios do poder, segundo ela. Afinal, bradou ela, um pouco esganiçada pela velhice: "Quem aqui leu Marx, ou Nietzsche, diabos?"
Nestes dias vai dormir mais tarde; fica lendo uns livros empoeirados e cheios de mistérios. Depois vai nos cobrar se lemos sobre a política neo-liberal do FHC ou sobre a política gás-com-arroz-e-feijão do Lula. Eu, que não sou bobo, escondidamente leio umas linhas para conquistar-lhe a simpatia. Afinal, ela é terrível, eu a amo, e acima de tudo penso que ela é a profetiza do kaos (com k), tal como era o Mautner nos bons velhos idos de sessenta e setenta. Ele que escreveu: "O profeta soltou um berro e naquele dia ele nasceu". Vó Pina solta berros e nasce quase todos os dias...

domingo, 27 de junho de 2010

As vinhas da ira do frio e do calor!


Há quarenta dias a temperatura fica abaixo dos doze graus à noite e até 27 durante o dia, um verdadeiro choque térmico esperado com ansiedade para forçar as uvas no seu melhor caldo. Para ser perfeito, pelo menos para as condições locais, isso deverá se esticar por mais quarenta. Olho com atenção para as ramas secas das uvas; vejo-as perdendo folhas a cada dia, ao ponto de hoje restar apenas meia dúzia delas em cada videira. Digamos que este sofrimento, que as faz adormecer para não morrer e lançar abaixo todo lastro que poderia cobrar-lhes vida, é parte de um ciclo vitorioso; sempre que isso se dá de modo harmonioso, temos bons frutos na primavera. É disso que trata o morador no campo - de ciclos, ritmo, espera, paciência, surpresas boas e ruins e principalmente da visão de conjunto. Trata-se de cálculo, não matemático, no máximo aritmético, das probabilidades do clima e força bruta resultarem em um chão que verte frutos. Nada se compara na vida citadina com essa entrega do homem de pequena propriedade rural aos mandos e desmandos do ar, da chuva, dos vapores matinais e serenos noturnos. Nada se aproxima desta humildade de olhar para o firmamento e tentar ler as mensagens cifradas das nuvens, da auréola lunar, da cor do sol poente, sabendo que se está a mercê do humor das estações.
      Por isso, eu que já me habituei com certa instabilidade no semblante da natureza, estou aqui de olho nas manhãs, rezando para que as ninfas e sei lá quem mais, nos deem mais algumas noites frias com dias ensolarados. Tudo isso para que possa ter a agradável experiência de colher, deliciado, redondas uvas coloridas, dispostas em cachos, que "despinicarei", como dizem os mineiros, uma a uma, saboreando devagar, porque tudo que é bom na vida campesina, dura uma estação - no máximo.

domingo, 6 de junho de 2010

Feriado, amigos e o pudim!

     Feriadão! Quinta cheguei à serra de ônibus, extraordinariamente. Em geral chego mais cedo em Pouso Alegre e depois venho com Vania para cá, de carro. Mas, quando ocorre feriado nas quintas, ela não vai à cidade e aí me viro com o ônibus que vai para o bairro Passa Quatro. É muito singelo! Pessoas vão embarcando nas paradas da estrada que vem até Espírito Santo do Dourado, com suas caras de feriado, meio sonolentas às dez da manhã, com sacolas de plástico e bolsas ou mochilas. Os homens quase sempre com seus chapéus de palha ou couro, desgastados pelo uso; as mulheres vestindo roupas antiquadas. Os rapazes, apesar do frio, usam camiseta e calças de brim, já bem desgastadas; as jovens, melhor vestidas, vestem roupas que bem poderiam ser usadas no metrô de São Paulo.
     Me ergo, puxo o fio da campainha. O ônibus para. Agradeço e desembarco, me dirigindo por uma estrada de terra íngreme e já poeirenta por causa do inverno e a falta de chuva por dez dias. Na sinuosa estrada de terra já vejo à distância, Vania e os cães. Veio abrir o portão porque estou sem as chaves. Todos me cumprimentam como se eu fosse aquele que faltava para completar a matilha. Excetuando Vania, para quem esta lógica tem outras entradas, cada um deles sabe algo de mim que me faz esperado. O Soneca sorri de orelha a orelha, apertando os olhinhos castanhos; o Rabicho se contorce me arrebatando às chicotadas com seu rabo que bate sem dó no portão de ferro, nas minhas pernas etc. Me pergunto se seu rabo é indestrutível! A Gabi late e se abaixa como que para saltar sobre mim - o que, felizmente, não faz, e desliza para baixo pedindo um cafuné; Kelly late, histérica, e espirrando - um cacoete que lhe dá uma singular figura de louca desesperada pela minha aparição na estrada. Balança o traseiro e sai pulando em cima da Gabi, rosnando ferozmente, enciumada pela minha presença, como que dizendo: "eu conheci ele primeiro; ele é meu e você se coloque no seu lugar! Você foi achada na estrada e eu num pet shop de São Paulo" Vania, com bochechas rosadas e riso amplo, assiste essa cena e meneia a cabeça como se não estivesse acreditando no que vê.
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     Sexta trabalhamos na "jardinagem" do sítio! A palavra está entre aspas, por que trata-se de uma coisa feita de modo rústico e não com aqueles bordados que se espera da jardinagem, digamos, artística. Trata-se mais de parecer para nós que o lugar está habitado, do que exatamente embelezá-lo. Passamos o dia, com exceção de algumas horas para estudos, numa labuta danada com espinhos do Sansão do Campo, das Bouganvilles e abacaxis selvagens, para deixar a entrada da casa um pouco mais apreciável. Buscamos satisfazer nossos olhos, mas confessamos que também queríamos encher as pupilas e retinas de Carlos e Alessandra que nos visitariam hoje, domingo, com suas duas crianças - o Artur e a Ana. 
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     Ontem, sábado, choveu o dia todo! Uma garoa fina, gelada, calma, apenas agitada por uma ou outra lufada de vento que a fazia penetrar por janelas que rápido aprendemos a manter fechadas. Acabei com uma preguiça danada de correr umedecendo roupas e sapatos, além de pensar na Kelly, que certamente ficaria muito magoada de ter que ficar em casa (quando se molha fica suja até o último fio dos seus longos pelos brancos). Jamais me perdoaria e para sempre me olharia com um olhar tipo "não adianta fingir que nada aconteceu; me lembro bem da humilhação de ficar aqui sendo gozada pelo Chefinho, dizendo: você não é mais a queridinha do Levi! Ele vai conversar com o Pingo, vulgo Costelinha, e com aquele rotweiller, lá no topo da serra e voltar com cara de inocente!". Bem, quase desmarcamos nosso encontro com os amigos para hoje, mas as notícias de jornal e internet informavam que seria um dia ensolarado, o que de fato se deu.
     O resto do dia foi de faxina geral, um pouco atrapalhada pela umidade. Mas terminamos a primeira e maior parte ainda às nove da noite. Assisti um filme na internet e depois um pouco de televisão e dormi o sono dos que fazem faxina... mortalmente cansado, dedos ralados, corpo doído.
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     Domingo brilhante! Às 07:00 o dia estava completo. Devido ao frio intenso a corrida exigiu calças compridas e luvas. Pus sapato de corrida e fui gelar o nariz, os joelhos e as pontas dos dedos, subindo e depois descendo a serra. Kelly feliz da vida, particularmente nos encontros que teve com seus amigos peludos - o tal de Costelinha e o rotweiller-não-sei-que-nome. Trataram-na muito bem, a não ser por um encontrão do sem-nome que a jogou de costas com as perninhas para o ar, protestando muito pelo mau jeito do desastrado. Depois o cão descobriu que ela tinha uma queda por ele e relaxou! Mas a conversa não foi longe; eu tinha que continuar. Nós seres humanos, como eles sabem, somos cheios de compromissos e não podemos gastar tempo com namoro de domingo de manhã. Se fosse à noite, talvez... 
     O resto da faxina me esperava, e foi o que fiz, capitaneado por Vania, até por volta das onze horas, pouco antes dos amigos chegarem. Almoço simples, estilo Minas, com todos os itens, inclusive uma cachaça de Salinas. Saimos pela propriedade para mostrar o milharal já seco e torto pela quebra que o Zé lhe impôs; o pomar zelado e cheio de pomos diversos; as abelhas já recolhidas de frio (a temperatura caiu drasticamente após as quatro horas); o cafezal em grande parte já escarlate, esperando pela apanha. Foi muito agradável! Como domingo é o dia do desregramento alimentar, por questão de regra, ou sei lá o quê, eles trouxeram pudim, o que impediu Vania de fazer um falso brigadeiro. Acabou que o pudim estava divino e a deusa Gula dirigiu nossas vidas por alguns instantes. Os nossos parentes peludos se comportaram muito bem, demorando bem pouco para aceitar a "invasão" de território pelo inimigo. Chegaram a ensaiar algumas brincadeiras e por pouco não frequentaram o colo de um ou outro. Apenas Gabi, apesar de sua delicadeza e olhos tristonhos e sonhadores, como os de Madame Bovary, teve que ficar no canil, pelo medo que impôs às crianças. Sob protesto, diga-se. Tentou atrapalhar falando, quero dizer, latindo, a plenos pulmões para que sua presença não passasse incólume. E conseguiu o intento. 
     Agora, é escrever algumas linhas de um projeto de extensão para a universidade. Vania já está no segundo sono, tal como se diz... Amanhã, segunda, será dia de trabalho no consultório, com todos os detalhes de um dia como outro qualquer, da série de dias que faz uma vida...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Inverno em São Paulo e na Serra do Cervo!

Há pouco mais de um ano inaugurei os dois blogs que venho mantendo até agora. Me lembro que em junho passado, dia 2, durante a madrugada, fizera o frio mais intenso de todo o outono - 3 graus. E tudo indica que entre hoje e amanhã, ou depois de amanhã, repetir-se-á uma daquelas madrugadas geladas; hoje, quando saí de lá para vir para São Paulo, o frio era de 6/7 graus. Depois da manhã, feriado; e aí estarei usufruindo do frio da serra, como todos os seres vivos daquelas paragens. São Paulo também está fria - todo mundo agarrado a seus cachecóis, blusas e sobretudos, como se se agarrassem a algo vivo. Esquentando-se consigo próprio, fazendo calor com os próprios corpos. Se por um lado as pessoas colorem a cabeça e os pescoços, por outro, os casacos definitivamente escurecem. Trata-se de manter quente a própria carne a toda custa. Por enquanto, ninguém me fala das saudades do sol ardente e dos dias abafados de verão. Talvez estivéssemos todos precisando de novos climas, nem que seja por alguns dias. Se fôssemos como uvas, ipês, kiwis e árvores caducas, sazonais, gostaríamos da sensação de renovação que a primavera nos daria depois dessa "queimada" de inverno, com folhas caindo e galhos secos apontados para o firmamento.
Bem, não somos árvores caducas... ficamos com a pele caquilhada, cai-se-nos alguns cabelos, ficamos tiritando, mas no geral, nada muda! O frio vem e vai. E nós continuamos nossa faina sem grandes atropelos, a não ser por um certo peso a mais, vindo das grossas fazendas que nos cobrem, impedindo-nos de medir o peso na farmácia para saber se o regime de verão já foi para o brejo com os chocolates, capuccinos e outros mimos que nos damos no inverno.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Giorgio Agamben, morangos e corrida a pé!

Ontem, domingo, estive envolvido com um canteiro de morangos depois de correr serra acima, como de hábito. Porém, desde sábado tive que me haver com leituras que me ajudarão a passar a ideia de que língua e linguagem são dispositivos de veridição - nos termos de Foucault - algo que gostaria de passar para os alunos do Mestrado em Ciências da Linguagem da UNIVÁS. Trata-se de ler... ler muito! Além disso, darei uma palestra em São Paulo no dia 01 de junho próximo, com o tema "A Gênese da Violência", seguindo as contribuições de Winnicott - o que significa mais leitura!
Estas leituras, prazer que não dispenso, definitivamente mudam meus fins de semana. Consigo dedicar algumas magras horas ao pomar e horta, perdendo alguns outros bucólicos prazeres destes começos de dia. Por exemplo, nas manhãs frias de terço final de outono, siriemas, jacus, gralhas e tejos são atraídos para perto do quintal em busca de abacates, bananas e laranjas. Os jacus resmungam com nossa presença, mas acabam por conceder sua presença aos nossos olhos e as gralhas, aos gritos, voejam dos abacateiros às amoreiras. Os tejos, um tanto quanto arrepiados de braveza, disputam com os sabiás e sanhaços as frutas que Vania dependurou no canil. E as maritacas estão desaparecendo, certamente indo pra outros milharais, fazer o que outro dia descrevi aqui.
Fiquei lá dentro de casa olhando por uma fatia de paisagem, vista da janela, que justamente enquadra o abacateiro e parte de uma jabuticabeira. Quadro pelo qual. de vez em quando, passa a sombra esvoaçante de um desses ilustres moradores da Serra do Cervo. Melhor me acostumar com esses prazeres a conta-gotas pelo menos nas próximas duas semanas. Porque os meus amigos alados não vão esperar para dar o ar da graça, somente quando eu tiver olhos para eles!

domingo, 9 de maio de 2010

A música das esferas e o dia das mães!

Na adolescência quis ouvir todos os clássicos da música. Não sei porquê, nem como, me apaixonei por Beethoven, particularmente pela 5ª sinfonia. Depois descobri a nona e fui ganhando mundos novos com Mozart, Bach, Grieg, Brahms, Haendel; acabei descobrindo que por falta de berço, tudo me agradava - de Verdi a Strauss, de Massenet a Bizet. Eu não tinha estilo! Supérfluo, como disse Sartre. Além do que ouvia o romântico Carlos Gomes com a mesma entrega que ouvia os autores do nacionalismo - Villa Lobos e Camargo Guarnieri principalmente. Um pouco mais e fazia a maior das heresias: ouvia rock americano e brasileiro - o nosso Raul Seixas e depois as grandes bandas dos anos anos oitenta.
      Por falta de formação musical, sou a glória dos musicistas; me comovo com quase tudo que ouço. Músicas as mais diversas me arrepiam e sinto facilmente os olhos embaçados por pesadas camadas de água salgada, a respiração forçada como se subisse correndo as íngremes terras do pomar do Cervo. Sem vergonha, admito que nada sei de contrapontos, solfejos, claves etc. Mas é difícil sair de um espetáculo sem passar pela impressão de que fui lavado de cima a baixo, e pelo avesso. Às vezes tenho a sensação de que passei por uma moenda; o corpo fica entre relaxado e triturado. Nunca tenho a música na cabeça nem decoro letras, a não ser pela quinta de Beethoven e a quadragésima nona de Mozart; além de uma ou outra música de bandas que amei.
      Insisto, acredito que seja a audiência sonhada pelos artistas; sempre reajo como se fosse a primeira vez. Surpreendo-me com sons novos, sons que nunca ouvira em cada música que repito. E aí bato palma, grito e peço bis, sem constrangimento. Depois, no carro dirigindo pela MG 179, e em casa, na Serra do Cervo, por alguns dias, cantarolo como aquele velho vinil quebrado, que insistia em ouvia na vitrola no centro da sala, lá na Penha em São Paulo, nos anos setenta.
      Pois, foi assim que sai, ontem, de uma apresentação da orquestra do Conservatório Estadual de Música de Pouso Alegre, no Teatro Municipal. Em homenagem às mães, os músicos convidaram a população que encheu todos os cantos do teatro. Entremeio o alarido de crianças e adultos cheguei atrasado por causa de minha aula de francês. Manhã de sábado, cidade cheia de gente, ando apressado no meio de uma turba andando lenta, ombro a ombro; e na porta do teatro, aberta sem reservas, ainda ouço os últimos acordes de "Trenzinho da alegria". Entro e procuro na platéia abarrotada, como se usasse binóculos, a figura loura de Vania que chegara mais cedo. Não a reconheço a distância; culpa do lusco-fusco e das dezenas de pessoas em pé. Ela chegara mais cedo, indo direto de seu escritório.
       Convidada por Alessandra, sua sócia advogada, Vania jamais perderia a oportunidade de, tiete que é da arte em geral, se sentar quase na ribalta. Ainda assim, não a vi! O maestro já dirigia um arranjo para Adoniran Barbosa, quando me achego a uma pilastra na lateral da platéia e de lá assisto o resto do belo e singelo espetáculo onde os "filhos" do conservatório se esmeram em seus instrumentos. De certo ângulo, vejo Alessandra; a fronte e rosto singularmente pálidos, qual mármore alexandrino, ereta feito estatueta de Rodin, acariciando sua viola de corda. Suas sobrancelhas negras se destacam logo atrás dos óculos desenhando um semblante de concentração infinita, calma e silente como só é possível para aqueles que usam a linguagem da música. Ouviria ela, intimamente, a música das esferas, reservada a Pitágoras? Platão talvez pudesse falar destes mistérios da música a nós pobres mortais ciceroneados por Alessandra.
      Ao terminar o espetáculo, fomos cumprimenta-la na saída. Vania a abraça, com olhos molhados e eu com embargo na voz. Depois, em conversa outra, já no escritório, Vania disse que Alessandra estava salva - salva porque vivia esta paixão. Nos lembramos de que um dia o prazer estético, o amor ao pensamento, a busca da vida criativa já fora a meta da vida clássica entre os helênicos. Nos perguntávamos: seria ainda possível viver estofados dessa força advinda da arte? Talvez Alessandra nos possa dar uma pista! Vania, instada por ela, já pensa em dedilhar algum instrumento. Eu, pelo menos por enquanto, penso em continuar minhas leituras, constituindo-se elas em minha forma de auto-salvação, uma vez que não ouço a música pitagórica. Pode parecer um instrumento improvável, nada clássico, por sinal, mas há muito penso em comprar uma gaita e tocar algo como se fosse um Dylan ou alguém menos inspirado. Vejamos o que vai ser!
       Trabalhamos todos, Vania, Alessandra e eu, em uma antiga casa perto do centro, justamente de esquina com o conservatório, de onde chega a nossos ouvidos a música de seus alunos. De vez em quando voam por suas janelas a voz de um sax, o fio sonoro dos violinos, o rebatimento de tambores e o tilintar de instrumentos vários. Se isso não for suficiente para me informar de meus desejos, creio que meu caso é perdido. Para não me perder de vez passarei pelo ouvido tudo que já ouvi do panteão dos clássicos. Quem sabe dai eu evite ir para uma das camadas do inferno de Dante. Pois é certo que Virgílio, seu guia pelo inferno, amava a música! Ou seria Ovídio, que a aprendera como uma das artes de seduzir?
***
       Hoje, comecei enviando longa mensagem à dona Leonilda pelo domingo das mães. Dia chuvoso, ficamos a maior parte do tempo tomados pelos trabalhos domésticos e, vencido pela preguiça, acabei lendo para Vania um capítulo de "M. Bovary". Ainda assim, numa estiagem de minutos, saquei da foice e, enquanto limpava uns pés de banana, colhi meia dúzia de cachos do tipo ouro, nanica, pão e prata. Isso sempre seguido de Vania e pelos "quatro do apocalipse" - Gabi, Kelly, Soneca e Rabicho (por ordem de tamanho). Cada um fazendo o passeio do jeito que sua personalidade impõe. É muito divertido ve-los nas filas do  milharal já dourado pelo ressecamento e já quase prontos para a colheita. Depois V. colheu nêsperas para uma geleia e preparou um pavê de pêssegos para levar amanhã ao escritório, quando, de surpresa, oferecerá à Alessandra pelo espetáculo musical e pelo dia de seu aniversário. Agora, depois de me desvencilhar de uma parte considerável da faina doméstica, escreverei e lerei até vir o sono. 

domingo, 2 de maio de 2010

As chuvas rareiam! As plantas raleiam!


As chuvas de abril arrefeceram. Para aqueles que, como nós, vivem na orla da mata, num sistema de semi-auto-sustentação (trabalhando tanto na propriedade rural quanto na cidade), já se trata de aguar a horta e certas flores sensíveis à seca. Já sinto que a roçada perdura por mais tempo do que foi até fim de março. A grama à volta da morada foi cortada há três semanas e continua baixa e aconchegante, porém sem aquele verdor que mostrava até bem poucos dias. Gosto deste choque de inverno nas plantas e em nós! Elas ficam rijas e resistentes, particularmente os kiwizeiros, videiras, caquizeiros, macieiras e pereiras. Com esse torpor de que são tomadas, adormecem a quase morrer até a primavera e depois ressurgem qual fênix com seus pomos multicores e folhagens verdejantes. Nós, por outro lado, resfriamos, gripamos, ficamos a mercê de mucos inusitados e depois nos curamos, ganhando resistência às intempéries. Eu mesmo prefiro "pegar" meus resfriados e gripes logo no começo do outono para depois passar por um inverno fortalecido e sem problemas respiratórios. Bem, pelo menos é o que sempre aconteceu desde que me chamo por "eu".
É claro que há limites para essa "relação" com os resfriados e principalmente com as gripes (particularmente estas novas formas). Se necessário for não me farei de rogado e tomarei as vacinas. Não se trata, pois, de recomendar essa minha "terapia" indiscriminadamente. Mas também é fato que se não entramos em contato com as "sujeiras" cotidianas nem sequer criamos um sistema de imunização ao meio. De novo, repito, não se trata de recomendar a sujeira, mas de permitir que a vida se dê na sua relação obrigatória de defesa e ataque, e nesse vai e vem, criar um organismo minimamente fortalecido, capaz tanto de maneabilidade quanto de resiliência... o resto é acidente; e com os acidentes ninguém pode muito, a não ser uma ou outra ação! É nesta mínima possibilidade de previsão que devemos apostar, além da aposta no fortalecimento corporal.  

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Semana usual!

Semana sem nada especial. As leituras que vem primeiro são ligadas ao projeto "Teatro Municipal de Pouso Alegre"; a leitura paralela é de Jacques Derrida autor de quem vale citar: "Perguntemos-nos tão somente se, sim ou não, isso que se chama psicanálise não abriria o único caminho que levaria, se não a saber, se não mesmo a pensar, essa palavra estranha e familiar 'crueldade', a pior crueldade, o sofrer por sofrer, o fazer-sofrer, o fazer-se ou deixar sofrer pelo, se se pode assim dizer, prazer do sofrimento".
Ou ainda: "Se há um discurso que poderia, hoje em dia, reivindicar a causa da crueldade psíquica como assunto próprio, este é o que se chama, de mais ou menos um século para cá, psicanálise".
Sem mais, fico aqui ruminando seus textos, mas tendo mesmo que levar a cabo minhas idéias a respeito do chamei por "memória da urbe" - memória ligada às edificações, ao casario, ao território de uma cidade. Como memória é um troço do político, da pólis, portanto, um dia deverei acertar melhor as contas com o termo inventado... pensando o político e a política. Por ora, pouco a dizer.

domingo, 18 de abril de 2010

Maritacas, sabiás, bugios...

...borboletas, mamangavas e coleirinhas; são os personagens das "aventuras" de ontem e hoje. As maritacas colocam Ovídio José nosso vizinho de serra em estado de loucura: comeram parte considerável de seu milharal, que por acaso está plantado em nossas terras. Elas passam por sobre nossas cabeças aos gritos, como um bando que promove um arrastão. Se abstraio sua voracidade e penso só na algazarra destes pássaros verde-esmeralda, consigo amá-los como qualquer outro bicho da serra. O difícil é abstrair o sofrimento do Zé!
Os sabiás voltaram de sua viagem sabe lá Zeus por que paragens. O fato é que chegaram também famélicos e glutões; estamos acolhendo-os com muita banana e abacate. Afinal são quatro ou cinco e não significam muita perda; talvez seja uma injustiça reclamarmos das maritacas e acoitarmos os sabiás. Vai entender a mente humana!
Os bugios resolveram dar um espetáculo operístico neste domingo; infelizmente nenhum deles faz segunda voz ou um contraponto. Todo mundo ruge (bugios rugem?) em uníssono formando um vozerio que se pode ouvir até lá na ponte do Cervo, três quilômetros abaixo.
As borboletas, encantadas com o Chapéu Mexicano, farfalham suas asas coloridas e sugam ávidas o mel e raspam o pólen com todo o cuidado. Estão preparando-se para botar seus ovos por aí e depois gerarão as lagartas coloridas que empupadas virarão novas borboletas. Me maravilha saber que os filhos jamais conhecerão os pais. Sem Édipo, sem aprendizado, sem psicologia e elas saberão exatamente o que fazer para sorver o mel vital, fazer acasalamento e botar seus ovos.
As mamangavas a cada ano que passa dobram de quantidade; um espécie de abelha gigante, algumas negras furta-cor, outras rajadas de amarelo com preto, metem medo à primeira vista, mas se nos achegamos e deixamos que elas se acostumem conosco, as sabemos delicadas e tímidas, porém trabalhadoras incansáveis como manda o figurino dos bichinhos que tem crias para alimentar. Onde elas vivem pode-se conceder o selo de equilíbrio ambiental, pois são frágeis, apesar do tamanho e aspecto temerário. Não sobrevivem a pastos ou terras degradadas por cultivos irresponsáveis.
Finalmente, Vania tomava sol de manhã, sem perceber, embaixo de um ninhozinho de coleirinhas. Ficamos muito tempo observando a trabalheira do casal para nutrir seus filhotes ainda sem penas. Os dias vão esfriar e elas estão apressadas em fazer crescer suas crias. Dentro de alguns dias suas capinhas de penas as protegerão dos frios ventos do norte à noite e do sul durante o dia.
A propósito os canarinhos já abandonaram a casinha que construímos para eles e foram lá para as terras mais quentes dos pequenos vales. Aguardamos pacienciosos sua volta na primavera...  

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Paisagens desta manhã; Vania e o bosque!



Depois de correr serra acima gravei um take com um amigo das redondezas. Kelly Lulu Star em quase todas as imagens! Vania preparada para um dia cheio no escritório em Pouso Alegre, posando no "jardim". Manhã fria e clara. Tentei fotografar um casal de siriemas e seu filhote, mas eles acharam por bem não deixar imagem para  a posteridade. Isso não lhes demove o espírito... Ainda não consegui mudar a data e hora das imagens; fica bizarro essa imagem de outono com data de verão!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O frio, a infância e o outono!








O outono começou frio por aqui. Rapidamente, em três dias, foi de 22 graus a 7. Acordamos hoje, meio rijos, ainda desacostumados com o ar gelado. Mãos duras na água da torneira para fazer o café da manhã. Lá fora, às seis da manhã, o dia ressurge deslumbrante. Na madrugada parece que geou; nossa grama amarelou drasticamente! 
   Nem bem começou e o outono já me lembra a infância na casa de sapé, taipa e fogão a lenha nas manhãs frígidas de Apucarana; as alpargatas Roda quebrando gelo na estradinha que me conduzia à escola primária; os parcos agasalhos feitos de flanelas coloridas; o café com leite onde mergulhava o pão sem manteiga e comia com as mãos entanguidas; as calças curtas com os joelhos doloridos estalando escandalosos. Transido de frio, estudando encolhido na carteira insensível ao meu desconforto, ia desfiando letras e fazendo um rosário com elas até que acabavam por fazer sentido, sob a paciente insistência da digna Dona Lourdes. 
     Eu era pobre e não sabia! Mas logo essa realidade se descortinou... 
    Com o tempo acabei inventando outras riquezas para compensar aquela pobreza e acabei me dando conta de que além de pobres podemos viver na miséria - afetiva, física, social, moral e até, acreditem, econômica! Ou será que a última pode ser colocada em primeiro lugar na fila da existência?    

domingo, 4 de abril de 2010

As águas de abril e os Cambucis!

As águas de março foram substituídas pelas de abril. O que mudou foi o vento de outono, a queda maciça das folhas da amoreira e o frio dos pingos d'água. Hoje, Vania, Chefinho, Kely, Rabicho, Gabi e eu nos embrenhamos na mata de brotos espinhentos de Sansão do Campo, tentando detê-lo de outra vez aparar o sol de inverno e prejudicar nossos abacateiros, jambeiros, jamboleiros, mangueiras e outras árvores. Isso se deu, como já descrevi em outros momentos, quando nos mudamos para Santa Catarina e não pudemos contratar um trabalhador para o serviço de roça e limpeza do pomar. De maio a agosto do ano passado relatei nossa trabalheira com a recuperação do pomar. Como já prevíamos, algumas fruteiras como o kiwi e os caquis não produziram; chegamos tarde demais. Mas, por outro lado, ainda deu tempo de hoje colher grandes abacates de mais de quilo e chuparmos as primeiras ponkãs e mexericas cariocas do ano. Foi só alegria!
     No meio dessa lírica, porém extenuante atividade, Vania dá uma olhada para a serra vizinha, às minhas costas, e diz: "Dá uma olhada!" Nem precisei me virar; ouvia o barulho algo monótono da chuva pesada e densa roncando serra abaixo, esbatendo nas duras folhas das amoreiras - aquelas que despencam antes de todas - assim como nas copas cheias das centenas de jacarandás que protegem o regato a sessenta metros dali e serpeia serra abaixo indo ganhar, junto com muitas outras pequenas águas, o nome de Cervo. 
     Nos escondemos embaixo do Jambolão, cuja copa verde escura, tal como gigantesco guarda-chuva nos acolheu com toda sua paciência de gigante das árvores. Trabalhamos mais um pouco e colhemos abacates e os últimos cambucis da temporada. Nos despediremos deles nesta semana e só nos veremos, pelo menos para a colheita, no verão do ano que vem. Com os cambucis Vania fará mousses, bolos, licores, sucos e molhos para aves e peixes. Começa outra chuva e me despeço do cambucizeiro, prometendo no inverno carpir sua saia e chegar-lhe material orgânico. Em troca ele me prometeu todo fruto que possa consumir. Não me parece justo; dou apenas uma sobra de minhas horas para seu bem estar e ele dá tudo que sabe produzir. Antes que ele descubra essa falcatrua me adiantei e disse que é muita generosidade dele... quem sabe se eu afagar seu ego de Cambuci, elogiando suas folhas de verde rugoso e brilhante, sua copa de jardim, seu frescor e seus incomparáveis frutos agridoces, ele se sinta disposto a me ceder um pouco de seu viço e me adoce a boca nas chuvas do próximo verão. 

segunda-feira, 29 de março de 2010

Os bichos do mato e os selvagens da cidade!



Final de semana de Ulisses em Ítaca depois de exaustiva semana; ou de Jasão ao recuperar o velocino de ouro. Vania e eu estávamos exaustos! Deixei a roçadeira de lado e me dediquei a ler, escrever e cuidar de tarefas domésticas. Ontem, logo de manhã, para variar, corri na estrada com Kelly Lulu. Corrida curta para descanso geral e tensão mínima dos músculos. Mas começou mal! Foi sair na estrada e nem correra vinte metros já passei pelos sentimentos que apresentei na blogagem dos dias 10, 15 e 16 de janeiro de 2010, onde falei de atropelamento de bichos selvagens por motoristas tresloucados (não posso chamá-los por selvagens para não cometer uma injustiça com o sauá, o mico e outros bichos imolados no altar da religião do carro e do asfalto). Diria incivilizados; talvez seja o suficiente para me explicar.
     Desta vez lá estava um gambá já adulto esmagado no meio da pista! Digamos que minha corrida perdeu o encanto, restando apenas uma sombra do que poderia ter sido. Prometi a mim mesmo que começarei uma campanha com o prefeito Adauto para começarmos uma conscientização que leve as pessoas a caminharem mais devagar por aqueles trechos onde sabidamente surgem animais selvagens. Talvez a implantação de placas indicando o perigo em trechos conhecidos pelo número de animais abatidos, tal como vi aos montes em Balneário Camboriú, Bombinhas e outras cidades litorâneas de Santa Catarina. Parece que todos os incivilizados para lá foram, a julgar pelo numero de placas fincadas na estradas vicinais avisando que aqueles locais são "povoados" por animais selvagens, pedindo que baixem a velocidade para preservá-los.
      Mas será leda ilusão se acreditarmos que em Espírito Santo do Dourado não há placas por causa da civilidade de seus habitantes e dos que para lá afluem nos finais de semana (momento em que se mata mais!). Como frequento quase que diariamente a estrada, sou testemunha de manobras arriscadas de pessoas que fazem as curvas em alta velocidade ao ponto dos pneus "gritarem" na brita. "Seu" Antônio e seus filhos também testemunham isso: moram mais abaixo e entre duas curvas na via. Ouvem diariamente a insanidade dos motoristas derrapando no asfalto, indiferentes até a própria saúde. Como exemplo, um dia ouvimos um estrondo espantoso exatamente na curva acima de sua casa, a metros de onde achei mortos gambá, sauá, sagui, cobras, camambevas, urubus, caracóis etc. Tratava-se, para nossa surpresa, de um caminhão cujo motorista desceu a serra aloucado e perdeu a mão. Arrebentou cerca de arame e alguns mourões e foi parar trinta metros abaixo no pasto. Para sua sorte o pasto cerrado e pequenas árvores seguraram o veículo, minimizando os ferimentos nos corpos do motorista e do carona. Por pouco não fora uma tragédia, acrescentando-se mais uma cruz ao acervo delas à beira da estrada.
     Se não fizermos alguma coisa logo e a belíssima estrada, com sua paisagem deslumbrante, servirá apenas como enfeite de cruzes melancólicas e de paisagem para memórias doloridas de sobreviventes inocentes. E não falo poeticamente aqui, de animais selvagens. Se antes me preocupava os animais, agora já me preocupa o bicho-gente!
     (A data das fotos não confere, mas trata-se apenas de manejo inadequado da função "data" e "hora"; trata-se de uma câmera sem função de data e hora automática; prometo melhorar o maquinário...)

domingo, 21 de março de 2010

Sursis para uma semana cheia!


      Nos preparamos para um final de semana como os últimos: cheio de tarefas domésticas e trabalho rural. Fizemos a agenda: Vania tomaria sol pela manhã, enquanto eu correria lá embaixo na estrada. Depois era lavar a casa por dentro, lavar e passar roupas. Com o combustível faria algumas horas de roçada. Afiar as lâminas da roçadeira, limpar bem o filtro de ar, colocar graxa no cardã, limpa-la com um pano especial, misturar óleo na gasolina; afiar a foice para colher bananas, a faca para desalojar brocas. 
     De acordo com minha máquina de prever o tempo, haveria sol a vontade; dois dias inteiros de trabalho produtivo. Mas nem bem começou a tarde de sexta feira, ainda durante o dia de trabalho, Vania foi chamada para interceder em um complicadíssimo caso de herança num bucólico sítio nas cercanias de Congonhal, pequena e bela cidade a oeste de Pouso Alegre, a caminho de Caldas e Poços. Tomamos café com bolo na casa do Dito, produtor de verduras orgânicas e apresentador da senhora cuja herança estava em questão. Decidimos, já que terminara minhas tarefas na cidade e precisava passar na universidade, que eu iria junto e de lá iríamos para Espírito Santo do Dourado. A consulta foi demorada, pois o caso era mesmo intrincado. Voltamos tarde, já ao anoitecer. Ainda a tempo de ver a fulgurante tarde de sol já caído atrás dos montes de Congonhal. "Bom sinal!" pensei. "Dia claro para amanhã!" pensei orgulhoso com meu talento de adivinhar o tempo. Só não fiquei mais feliz porque nossa manhã de sábado já estava comprometida: Vania e sua sócia voltariam até o sítio daquela senhora para continuar a consulta e eu tinha uma reunião de emergência. 
     Por volta de meio dia estávamos fazendo nossas compras da semana que sempre fazemos na sexta. Ao sairmos à luz do dia, uma surpresa! A luz do dia desaparecera! Olhamos para os lados de nossa casa e vimos uma massa escura como breu, compacta, enorme, se deslocando de Congonhal para Espírito Santo do Dourado! Suas laterais despencavam do céu numa bruma cinza escura; em certos trechos dava para ver a lista escura da chuva descendo das nuvens e encharcando a serra. Falei: "Ainda assim levarei a gasolina. Pode ser passageira", fazendo de conta que isso não ameaçava os planos do dia. Vania me estimula: "Vamos tentar chegar antes dela em casa! Subir a estrada de terra não será simples. Com essa tromba d'água ficará um sabão!" 
    Corro mais. Chegamos com os primeiros pingos pesados e frios de nuvens muito altas. Os cães não nos esperam; estavam em outra companhia: Ovídio José e dois trabalhadores que foram buscar a madeira que lhe doáramos. Chove pesado, abundantemente, de cima abaixo. A serra acima de nossa casa desaparece numa nuvem de vapor e água aos borbotões. Almoçamos, tomamos café. A chuva passa. O caminhão dos rapazes tem dificuldades com a umidade; precisam de correntes nos pneus para descer até o portão e depois até a estrada de asfalto. 
    Para roçar estava molhado demais; para lavar a casa seria tarde demais e faria um barreiro. A preguiça nos espreitava e resolvemos assistir tevê deitados. A tevê apagou. Ouço: "Estou exausta!" Vania se aninha num lençol. A luz se apaga. A consciência se apaga. Penso que seu desaparecimento foi por um segundo; quando me dou conta havia passado quase uma hora. Vania parecia entregue ao descanso. Isso é uma raridade! 
     A consciência se acende. A luz não. Ligo para a CEMIG: "Qual a previsão de volta da energia elétrica?" "Dezenove horas, senhor." Erraram. Vania tomando banho de canequinha a luz de velas: "Você não acha que essa luz é mais romântica?" Sabemos no que dá essas meias palavras, esses meios tons, esses meios olhares. Depois o lanche a luz de velas. Leio Sursis de Sartre, por algum tempo. A luz volta depois da meia noite, nos acordando num susto; olhos ardendo com a claridade.
     Para meu consolo a máquina de previsão deles falha tanto quanto a minha! Agora é esperar o próximo fim de semana e acreditar que minha faculdade de adivinhar o clima tenha voltado...  
    

sábado, 13 de março de 2010

Um amostra do outono, bloquetes na estrada e o teatro!

Ainda falta algum tempo para que se instale o outono e já experimento um vento com cara de meio termo entre inverno e verão. O dia começou com sol que não convence pela caloria e depois avança entre nuvens. A roçadeira hoje foi um fardo bem mais fácil. Além do que a a chuva escasseia e a braquiária começa a ceder. Venho descansar; tomo com Vania cerveja e limão. À sombra do pé de azeitona do ceilão ou das araucárias a temperatura despenca agradavelmente. Está  se dando um sábado colorido, sem chuva e este onipresente vento outonal. Entramos. Na Band Vale ouve-se Mamas and Papas, Vinicius e outros cantadores do amor.
Agora já começo a mudar os trabalhos no sítio; voltarei a recuperar a estrada para o próximo verão, recolocando no lugar os bloquetes arrastados pelas fortes chuvas. Será necessário comprar areia e algumas peças de bloquetes para completar aqueles que estragaram e ralar para colocá-los rejuntados com grama a volta para que no verão estejam firmes o suficiente. Para isso devo captar uma água que vem do alto da serra e com ela irrigar as placas de gramas assentadas nas laterais da linha da estrada. Às vezes é trabalho para nada, porque a primeira chuva forte leva tudo para o sopé da serra. Mas conto com a sorte e alguma previsibilidade. Trata-se de elementos comuns à vida; portanto nada que me espante ou desespere. Agora a tarde continuo com minha escrita sobre o Teatro Municipal de Pouso Alegre. Para dar uma olhada no conteúdo vá para http://levileonel.blogspot.com.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Tarde de sol na Serra do Cervo!

Sombras encompridadas, recurvas sobre as colinas lá embaixo. Culturas formando um xadrez multicor se espalham pelos quilômetros e quilômetros onde nossa vista alcança, em certos pontos contida pela serra vizinha de Santa Rita do Sapucaí. Pelos lados de Congonhal o sol ainda brilha e o céu é uma explosão fulgurante. Pouso Alegre, da qual posso somente adivinhar sua silhueta, está coberta por nuvens negras, mas duvido que chova. Os Fernandes, à esquerda, já somem na sombra de nossa serra. O Rio do Cervo desliza calmo, apesar de um pouco estropiado pela ganância dos homens...
Estava com saudades de um dia inteiro de sol franco e aberto! Agora é dormir uma noite boa de sono restaurador e me guardar para ir a São Paulo gastar energias pelas marginais e afins!
   

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Roçar no carnaval, viver nas nuvens e o sapato preto da Gabi!

Além de roçar com foice, o que exige rudeza, velocidade, direção e ponto de impacto para seus melhores efeitos, pelo menos por três horas no sábado e três no domingo, uso uma roçadeira a gasolina. Bem mais fácil de usar, infelizmente nada pode contra ramos mais troncudos, além de uns arranhões. Então, como de costume no verão, a cada três semanas, faço a pele do imenso quintal onde nossos cães brincam, deixando grama e capim a menos de dois centímetros de altura. Como a terra é feminina (nos meus delírios infantis) imagino que estou sendo usado por ela para depilar, à flor da pele, seus tímidos pelos axilares. Suas dobras pilosas vão aparecendo ao roçar da lâmina afiada - ficando mais e mais sensual - usando como moldura o milharal ao fundo e serra acima.
Nestas alturas, a entrada da propriedade já pede que lá volte para roçar-lhe a pele de entrada, junto ao portão. É sempre assim no verão; quando termino de roçar a volta da casa lá em cima, passando pelo grande pomar, os primeiros metros da via que vai da estrada até a pequena casa, já pede meus cuidados. Isso só será exceção no inverno, quando a terra esfria, a braquiária "morre" e a grama paralisa. Mas, até lá há muito quilômetro quadrado para desenhar com decisão e arrojo. É um ir e vir sem fim!
Então, em pleno carnaval, próximo passado, me diverti nesta, como dizem os adolescentes, ralação com a terra. Além do sábado e domingo trabalhei a segunda e a terça neste flerte. Nada de amor de carnaval! Ela exige amor eterno, pelo menos enquanto eu durar!
Neste quintal roçado com esmero está Gabi com suas orelhas de descontentamento, por causa da meia preta na pata direita traseira, onde uma mosca botou-lhe seu ovo, que nestas alturas, ao curarmos seus dedos, já inchava e supurava. Para que não arrancasse o curativo e lambesse o remédio imposto, cortei uma meia de trabalho e com esparadrapo Vania fixou-a sobre o trato. Virou um sapatinho elegante, que não durou mais que uma noite, tempo suficiente, porém, para que o remédio fizesse seu efeito. Agora já está perfeitamente bem.






sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Experiência, maravilhar-se, viver!


        "Todo discurso sobre a experiência deve partir atualmente da constatação de que ela não é mais algo que ainda nos seja dado fazer. Pois, assim como foi privado da sua biografia, o homem contemporâneo foi expropriado de sua experiência: aliás, a incapacidade de fazer e transmitir experiências talvez seja um dos poucos dados certos de que disponha de si mesmo". Esta "destruição" da experiência, segundo Agamben, pode ser o resultado da banalização da vivência cotidiana onde o cidadão volta "para casa à noitinha extenuado por uma mixórdia de eventos - divertidos ou maçantes, banais ou insólitos, agradáveis ou atrozes - entretanto nenhum deles se tornou experiência".
       É nisso que venho tentando meter a colher já há três décadas, quando insto as pessoas, por meio de técnicas de si advindas do Samkhya, do Zen, do Tao e das artes existenciais de cada uma destas experimentações do mundo. Portanto, se por um lado acho que Agamben cada vez mais tem razão (ele escreveu isso em 1977/8), esclareço que essa foi, e é, a batalha de muitos sistemas filosóficos indianos e orientais para que se mantenha íntegra a capacidade para fazer experiência. Centro a atenção nas práticas chamadas 'sadhana', que surgiram no período matriarcal, pré-védico e algumas técnicas aprendidas nas artes marciais chinesas, as quais ensinei entre o fim dos anos 70 e fim dos 90.
      O homem de que trata o autor é o homem ocidental, e isso nos autoriza, embora não se resolva nisso, a dizer que não é a mesma realidade naquelas sociedades. Não quer dizer que não sejam atacados, neste século, pela mesma 'doença'; a globalização tem tentáculos infernais e de alcance inimaginável! Mas podemos propor, com uma margem de segurança, que seus modos de realizar sua subjetividade ainda inclui a "experiência" e é isso que venho descortinando, embora com as limitações de ser um ocidental, solapado pelo mesmo fenômeno.
      O autor rebusca, de modo primoroso, a perda da autoridade advinda da experiência, uma vez que a verdadeira autoridade prescinde da indústria do comportamento ou dos manuais de auto-ajuda. Na verdade, os manuais e as técnicas de aprendizado, por mais bem intencionados que se coloquem, só fazem destruir a "experiência". No ato mesmo de treinar um comportamento, ou ensinar uma verdade, ou propor um sistema de pensamento positivo, acabam por retirar o sujeito desta incerteza criativa que é o cimento para a experiência; é o fim deste "jogado no mundo" sartriano, onde o homem pode, pelo gratuito da vida compor-se como "clareira" vivencial - experiência, pois.
      Na penúltima postagem do blog http://levileonel.blogspot.com, dia 18 de fevereiro, perguntei, junto com Mathieu, personagem sartriano, como fazer para que minha vida não malogre, ou que faça algum sentido, ou que seja uma vida que faça mais que um breve alarido sobre o mundo. Creio que um bom começo é resgatar, mesmo que sem sendas demarcadas, demarcações que impossibilitam a vivência de uma "experiência". A natureza mesma desse fenômeno é a de que desdiz a aprendizagem, por isso não se dá na presença da simples técnica, embora sem a técnica jamais se dê, paradoxalmente. Uma vez Sartre propôs o termo fulguração para esse sentimento de ser clareira no mundo, ou do mundo; talvez eu devesse seguir minha investigação por aí... pela fulguração do homem como instante vivencial sem eira nem beira, e por isso mesmo, especialmente significativo...

Sobre as vivências que dirijo em SP: http://levileonel.blogspot.com