Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O psicanalista, a advogada e o silêncio!

Sábado trabalhamos até metade da tarde. Vania em seu escritório e eu em meu consultório, cada com suas angústias peculiares. A minha, do psicanalista, salvo engano e opiniões contrárias, uma vez que há muitas psicanálises e psicanalistas, é poder ir para casa sem levar o sofrimento humano que acolhi e sustentei entre quatro paredes (nada a ver com a peça de Sartre, a não ser por um outro drama), mas sendo tocado suficiente para que a história ouvida não desapareça impiedosamente na massa de meus pensamentos cotidianos. Esse mesmo cotidiano que deverá se impor até que eu esteja suficientemente rejuntado para que, quase esquecido de minhas sessões, as novas histórias da vida de cada paciente possam de fato fazer efeito.  É uma tarefa das mais extenuantes que realizei na vida. E olha que fui, em ordem mais ou menos cronológica, desenhista de jornal pelas madrugadas paulistas, aluno e professor de artes marciais, ultramaratonista (correndo 87 kilômetros semanais para corridas de 10 a 11 horas ininterruptas), terapeuta corporal (muita força e por horas a fio)...
A da advogada, creio adivinhar, seria o alívio de ter dado condições para que se faça uma justiça suficiente? O que será que Vania faz para deixar o descanso semanal de fato ser um descanso? Embora a lide que seu cliente lhe traz seja da existência, poderia eu dizer que não se trata da mesma existência que o analisando me confia no consultório? Ou uma parte da lide poderá ser analisada, mas não há o que o psicanalista pode fazer para seus direitos; ou que ajude na melhor justiça. Uma análise poderia conduzir à justiça? Não quereria responder; muitas vezes gosto de apenas perguntar...
Há um silêncio entre nós, que não tem tanto a ver com as palavras. Trata-se de deixar o doméstico ir tomando-nos no que resta de horas dos nossos dias, principalmente nos fins de semana, incluindo dormir e sonhar. São práticas mais que conhecidas nossas e que podem bem ser feitas sem muita comunicação. Me perguntam se falamos do trabalho. Não fosse pelos motivos de que cada um de nós precisamos deixar espaço mental para as segundas-feiras, o silêncio que nossos códigos de ética nos impõem seria o suficiente para nos impor falar de outras coisas que não dos nossos clientes/pacientes.
É um silêncio insuportável para muitos, mas nós estamos na Serra do Cervo, onde o silêncio é cheio de sons. Barulhinhos de muitos seres que formam um pano de fundo denso e calmo. De quando em vez interrompemos e falamos alguma coisa sobre cães, notícias do jornal, horta, pomar, casa, amor, sexo (que é mistura de silêncio e sons guturais)...
Convivemos com o mais comum em nós que às vezes liga a tevê ou rádio; telefona para um parente; manda e-mails; escreve na rede. Não muito mais que isso, pois uma vida muito cheia é barulhenta demais... e de ruídos já me bastam o alarido dos pensamentos. Quanto a Vania, parece apostar no silêncio da noite suavemente interrompido por uma coruja que resolveu usar um barranco perto da casa para edificar sua morada e produzir descendência. E também de latidos longínquos de um cão que vive do outro lado da serra. Eventualmente um dos nossos reclama, se lhe parece que alguém lhe ameaça o território. Fora isso, é um profundo silêncio e negrume da noite.
Esta noite, por acaso, ouve-se o ribombar de trovões distantes como se fosse um ronronado; no máximo um engasgo de gigante adormecido num colchão de nuvens nas encostas das serras que rodeiam Santa Rita do Sapucaí, do outro lado do vale, lá pelos lados da nascente do Cervo.