Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Vó Pina foi ao sambódromo!

     Vó Pina diz que tem vergonha de viajar de primeira classe, quando vai visitar parentes; se bem que mais recebe visitas do que faz, especialmente depois de seus cem anos. No último aniversário fez uma cena daquelas quando um sobrinho disse que queria lhe dar um bilhete para assistir de camarote a passagem das escolas de samba no Rio. Questionou o "popular" da festa, levantou-se e fez discurso sobre apartheid social no Brasil, disse que ia mostrar a constituição para os criadores do evento. Foi muito custoso faze-la acalmar-se, porque leva-la a compreender o fato, sabíamos impossível. Só não fiquei constrangido pelo entusiasmo que um ou outro conhecido nosso mostrou para com suas ideias anarquistas. Sem bem que todos estavam bêbados como gambás, se é que gambá bebe. E bêbados pouco podem ser totalmente responsabilizados pelo que dizem ou deixam de dizer. O que posso adiantar é que vó Pina não havia bebido, cachaça, pelo menos, sem bem me lembro.
      Por quê tem vergonha de camarotes em espetáculos e primeira classe em avião? Só Deus sabe! Ela diz para perguntarmos aos humilhados usuários destes serviços e que não podem pagar o preço desse mimo. Não que não tente explicar! Ela tem uma teoria para cada um de seus ataques de raiva. Neste caso, se pergunta como uma sociedade pode se chamar sociedade (ela explica que socius quer dizer algo como amigo), se o que caracteriza sociedade é exatamente a exploração, separação, não distribuição da riqueza etc. Como alguém pode dormir tranquilo se vive numa mesma sociedade dividida em ricos e pobres? Perguntou ela, no meio de uma conversa sobre canapés e pastéis. 
      Há anos venho tentando lhe explicar que os cidadãos acreditam que há pessoas que nascem ricas e outras pobres, que são seus destinos, que Deus quis assim; que uns merecem outros não, que uns são mais inteligentes e outros são, digamos, para não ser politicamente incorreto, menos focados nestas coisas. Disse ainda sobre teorias neo-liberais e de capital de Estado; da primeira, que todo mundo tem oportunidades iguais; da segunda, que o Estado nos proporciona os mesmo direitos e técnicas, basta querermos...etc etc.
      Fiquei pensando que ela um dia pode ter se decepcionado com suas sonhações de jovem, tal como Emma Bovary, de Flaubert, que certa vez foi a um baile na cidade mais próxima e assistiu a riqueza de perto, sem poder tocá-la de fato, porque havia um muro de corpos, ritos e disciplinas que ela não podia reproduzir. Durante o baile pode assistir a riqueza, falar sobre ela e até mesmo imaginar-se no lugar de algumas daquelas madames - ela que era tão mais linda! Mas era só isso! Nada mais. A riqueza deslizava em valsa perante seus olhos e até mesmo se deixava tocar de leve; roçar-lhe o tecido; em certo momento até mesmo flertar com ela - um flerte e nada mais! A riqueza parecia saber seu destino certo; e não era Madame Bovary.
     E não foi vó Pina, mesmo com seu porte altivo. Não que lhe seja leve o corpo magro. A altivez não vem de seu nascimento; vem-lhe de um fino faro para as sutilezas dos desvarios do poder, segundo ela. Afinal, bradou ela, um pouco esganiçada pela velhice: "Quem aqui leu Marx, ou Nietzsche, diabos?"
Nestes dias vai dormir mais tarde; fica lendo uns livros empoeirados e cheios de mistérios. Depois vai nos cobrar se lemos sobre a política neo-liberal do FHC ou sobre a política gás-com-arroz-e-feijão do Lula. Eu, que não sou bobo, escondidamente leio umas linhas para conquistar-lhe a simpatia. Afinal, ela é terrível, eu a amo, e acima de tudo penso que ela é a profetiza do kaos (com k), tal como era o Mautner nos bons velhos idos de sessenta e setenta. Ele que escreveu: "O profeta soltou um berro e naquele dia ele nasceu". Vó Pina solta berros e nasce quase todos os dias...