Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Grapefruit! (toranja ou pomelo) E a goiabeira!









Manhã de sexta, 26. Hoje fotografamos o setor das laranjeiras, enquanto cuidávamos de deter as brocas, pela segunda vez desde que começamos a limpeza do pomar. Se não me engano, sob o título “O pomar” descrevi esse nosso afã. Descrevi os braços descarnados, sem cobertura de pele viva, num clamor aos deuses dos cítricos, que ficou sem resposta. Os dedos compridos e tristonhos da laranja grapefruit, lá encima, parecem invejar a amiga logo atrás com grandes frutas ovaladas, de um verde amarelado e cheiro amargo. Se pudessem restituir-lhe o viço certamente ficaria ali parada, movimentada apenas pelos ares e ventos e brisas da serra, exibindo nas pontas de seus dedos uma fruta mais pesada que a outra, para inveja das macieiras, pereiras e marmeleiros que se apressariam em mostrar suas qualidades. Agora, sua amiga grapefruit viverá sozinha, sem poder competir pelos bicos e garras de pássaros, ou pelas abelhas, arapuás e marimbondos pousando em suas grandes flores jasminadas... A não ser que algum humano intervenha e, disfarçado de deus das laranjeiras lhe dê uma companhia! Isso é bem possível. Aí, neste momento mágico, os dedos, mãos, braços, troncos, da malfadada amiga servirão de energia para a nova moradora da serra. Talvez esse humano, tomado pelo delírio da vida, plante as escondidas, a noite talvez, para que de manhã ela leve um susto com a chegada da nova amiga. Ah! Bom! Isso já é demais. Como disse Sartre em algum lugar, entre nós e a natureza não há comunicação. Aliás, ele era urbano até os ossos, não ia tolerar essa conversa sobre bosque, serra, árvore clamando etc! Grapefruit, só no uísque! diria. Minha admiração por ele o perdoaria, certamente. De qualquer modo, essa fruta da Malásia, tanto a de caldo branco, quanto a de caldo roxo, é comestível e sua polpa dulçamara pode ser usada na preparação de um delicioso refrigerante e as cascas servem para doces em calda ou secos. Seu uso medicinal mais acentuado é contra os problemas urinários. De início, antes de qualquer coisa, o que gosto mesmo é do cheiro exuberante das pétalas jasminadas de suas grandes flores. Eu, Vania, as abelhas e concorrentes...

Um melhor destino para a goiabeira!
Enquanto eu estava em São Paulo, Vania cuidou de melhorar a vida de algumas árvores. Das cabeludinhas, amoreiras, anoneiras, tamarindeiros e, claro, de uma goiabeira em particular, que estava condenada a morrer, por ataque das brocas. No ano passado, enquanto estávamos em SC ela deitou-se de lado para descansar da anemia que a acometeu. Por um desses combates entre espécies, as brocas foram derrotadas e bateram em retirada em direção aos limoeiros e laranjeiras. A goiabeira com parte de suas raízes ainda vivas, vinha conseguindo, verdade que a duras penas, brotar umas folhinhas bem verdes, aqui e ali, em seus galhos de mármore róseo. Essa teimosia foi recompensada com a serra de seus galhos já mortos, limpeza do chão e a chega de material orgânico em suas raízes, escondendo-as dentro do chão. “Isso vai virar doce, suco de goiaba e creme para acompanhar os assados no fogão a lenha!” comentou V. apontando para um filhote de goiaba já deslizando pelo vão de um dos brotos. Acho que sua premonição tem toda a chance de acontecer!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Surfando uma onda de ombros!

Fora do metrô e já me deparo com uma parede humana! Centenas de pessoas apinhadas antes das escadas no Jabaquara, descendo lentamente, como se estivessem acompanhando um morto. Isso me lembra as procissões de féretros em Apucarana, eu ainda menino, olhando de soslaio, de canto de olho, o caixão de algum vizinho que desaparecera, sem mais o quê. Podia me aproximar o suficiente para ver algum canto de rosto macerado, mortalmente pálido... E aquele povo andando devagar atrás do morto... E isso me lembra a vó Pina bem acomodada em seu caixão no centro da sala de tia Isaura, e eu mal acomodado na existência, achando que depois não viria mais nada de bom! E não é que veio! E isso me lembra... esquece! Volto ao metrô.

Olho para frente e vejo uma onda de massas arredondadas, formando ombros, encimadas por globos cranianos com uma profusão de cabelos alinhados, desalinhados, crespos, lisos, ondulados. Aquela movimentação para-lá-para-cá, compassada, de acordo com um passo ladeando para a esquerda, de acordo com outro para direita, formando uma onda, mais ou menos organizada. Do alto dos meus cento e sessenta e três centímetros, fora sapatos, posso ver umas caixas cranianas privilegiadas que flutuam a cerca de trinta centímetros da massa, surfando uma onda de cabeças e ombros que deslizam para lá, deslizam para cá, todo mundo tentando ver o que acontece. Algumas bem humoradas cabeças sacam seus celulares e brotam braços que se erguem acima das cabeças flutuantes, até mesmo daqueles que surfam nossas cabeças rentes a seus sovacos, e clicam. Talvez esperem mostrar para sobrinhos, filhos, netos como foi o dia. Um certo clicador me pareceu tentar uma foto artística; outro, uma foto para o patrão!

Uma voz masculina, compassada, clara, timbre audível, estilhaça o relativo silêncio: O SERVIÇO ENTRE LIBERDADE E SÉ FOI NORMALIZADO! AGRADECEMOS SUA COMPREENSÃO! Ninguém parecia ter ouvido! Nenhuma reação. Apenas um sujeito, destes cujo mau-humor é sempre uma lufada de ar fresco: OBRIGADO SENHOR! FICO MUITO TOCADO POR SUA CONSIDERAÇÃO! (olhando o relógio e meneando a cabeça).

A onda continua, as cabeças bem localizadas surfando as nossas. De repente uma cabeça que repousa em uns ombros de metro e meio tenta furar a onda! Um daqueles ombros gigantes, com cabeças grandes, volta-se lentamente, fixa os olhos castanhos nos olhos do pequeno ser lá embaixo, manda-lhe um raio de fúria contida e esfacela as pretensões do baixinho. Tudo volta a normalidade. A onda continuou sem surpresas e passou pelas catracas deslizando para baixo da terra...

terça-feira, 23 de junho de 2009

Indo e vindo!


Aí estou eu, hoje, 23 de junho, na entrada da rodoviária de PA, esperando meu ônibus de cada semana! O alarido comum a estas situações, com todos falando suas aventuras e desventuras ao mesmo tempo, já se foi... hoje cheguei mais tarde e posso ter a rodoviária neste clima agradável de um ou outro som distintos entre si. No fundo uma tevê, com aqueles taxistas de sempre; já velhos conhecidos com seus modos previsíveis, olhando com olho comprido seu possível cliente. Então Vamos!


Dia comum, se não fosse o ballet no Teatro de PA!
No sábado, depois de nossos trabalhos usuais, no pomar principalmente, nossos amigos Amanda e Zé Maria nos visitaram trazendo uma antena de celular que poderá melhorar nosso sinal. Não sei se poderemos usá-la para internet, mas é o que perguntarei hoje em PA. Presenteamo-los com um generoso saco de laranjas, mexericas, bananas e anonas... Não puderam aceitar o convite para ir ao teatro assistir o espetáculo “Ballet Luiz Henrique Dança Grandes Compositores”.
A “Ária” de Richard Vagner e Luiz Henrique e Kerly Nami no elenco, abrem o espetáculo! Local: Teatro Municipal de Pouso Alegre. Dia 20 de junho. No programa veríamos ainda danças com as músicas de Camille Dalmais, Antonio Vivaldi, Sergey Rachmaninov, Adolphe Adam, Cesare Pugini, Tom Zé, Caetano Veloso; para bordar o espetáculo com um humor fino, bem costurado, pontual, no tempo tempo certo, lá estavam o ator Luiz Fernando – que nos apresentou a impagável “Irmã Selma” e noutro quadro o “Alberto” (marido da gozadíssima “Giuvanelle”, encarnada por Charles Pierre). Foi uma noite emocionante. Particularmente quando Luiz Henrique apresenta as pequenas bailarinas de seu projeto de dança e um pequeno bailarino, cuja graça encantou todo mundo!
Há anos V. e eu conhecemos Luiz quando fomos aprender danças de salão, quando sua academia se localizava no P.A. Shopping; aprendemos os rudimentos de várias danças e V. fez ballet com ele; mas em certo momento tivemos que ir, de mudança, a SC, interrompendo os treinos. Agora estamos voltando e para reinaugurar nossas relações, quisemos que fosse de modo marcante. Não deu outra! Ao sairmos do teatro encontramos um Luiz untado pelas palmas e elogios! Seu semblante era dos que acabara ali um longo processo de criação, edificação, adaptação e apoteose do trabalho de dançar. Todo seu trabalho e de uma equipe de colaboradores e bailarinos atingira seu clímax! Agora é esperar sua nova aparição pública! Depois quero falar de seu projeto de dança para crianças...


Domingo, um dia normal ou extraordinário?!
Uma coisa que muda muito no mundo rural é a relação com o tempo; quero dizer, o tempo que se conta em dias da semana e o imaginário que fazemos deles. Por exemplo, no domingo levantamos mais cedo que o usual, demos de comer aos nossos amigos peludos e fomos cuidar das uvas japonesas, caçar formigas saúvas e em seguida, com a roçadeira eu, e V. na enxada, fomos roçar e limpar o pomar no setor das laranjeiras. Isso até metade da tarde, quando almoçamos, descansamos e assistimos o jogo do Brasil contra a Itália. Depois lemos...
Pensando melhor, vejo que nossos vizinhos, lá do pé da serra, Zé Luiz e família, Ademir e família, Antônio e família, têm sim um sentido de sábado a tarde e domingo, que não parece com o nosso. Eu diria que eles descansam nestas horas; seus dias são organizados de modo que no fim de semana nada fazem, como se tivessem cumprido suas tarefas. Não é o nosso caso; nossas tarefas não se especializam em dias ou horários. Eles encerram o trabalho às 16:00h; nós só ao escurecer. Eles começam antes de clarear; nós já com o dia começado. Parece que nossas vidas anteriores de gente que viveu em São Paulo por décadas, desconstruiu o imaginário da roça, para o bem e para o mal, suponho, embora a parte má ainda não conheci! Não temos obrigações marcadas, mas temos as responsabilidades sazonais, quero dizer, se não limparmos, por exemplo, o pomar até a chegada das águas, teremos falta de frutas. Bem, não sei como enunciar, mas de fato, nossa semana não é a mesma de alguém da cidade, mas também não funciona como funciona para o homem do campo!


Em tempo:


Emocionada com o espetáculo de ballet do nosso amigo Luiz, Vania pediu que eu colocasse nos blogs a poesia que fiz para finalizar a fita de vídeo e o espetáculo teatral “Nájua e os elementos da natureza” que patrocinamos e produzimos com a mitológica coreógrafa e bailarina. Isso foi nos tempos em que criáramos o “Ashram-Centro de Estudos da Medicina, Arte e Filosofia da Índia antiga” (1990-2000) e resolvemos homenageá-la. Então, aí está...
Na semana que vem coloco um pedaço do espetáculo aqui.

Mãe Natureza - III


Há muito tempo,
na madrugada desta era,
a Senhora dos Elementos empunhou
a sagrada espada da virtude
e dançou sobre as areias da Mãe Terra.
Bebeu das nascentes míticas
da Deusa Montanha
deixou seu âmago ser lavado
pelo fluido telúrico
do ventre da rocha.
Forjou o áurico peito
em chamas ardentes
e neste fogo alquimizou
suas paixões mais recônditas,
Deixou-se transportar
para etéreos rincões do elemento ar,
pairou por sobre todas as criaturas,
alentou todos seus conheceres.
E por fim descansou entre os homens
embalando-os ao som da música
de seu sagrado corpo,
Instalou-se no mais íntimo de cada ser.
e pelos eons vai
apaixonando amantes,
inspirando poetas,
extasiando filósofos,
ou simplesmente
soprando alento em cada ser.


Poesia realizada para verbalizar a arte de
dançar da grande bailarina Nájua.
1998