Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

sábado, 3 de dezembro de 2011

E os filhotes se foram! E agora?

A singeleza de dois pássaros cuidando de seus filhotes e a cena final são tocantes. Escolhi voltar à blogagem no "A vida na Serra do Cervo" com esta "historinha" filmada com paciência e mixada com sensibilidade, justificando minha adição pela escrita. Volto a escrever, sem muita convicção de que poderei ser regular... mas, não dá para ficar olhando para as janelas do trem que é a vida sem tentar narrá-la, isto é, reinventá-la. Há de se imaginar, com alguma razão, tal como nos disse Sartre, que ao narrar a vida começa seu começo, evita seu fim e consegue mais alguma respiração. Então, bom filme. Ninho Vazio

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Até algum dia desses!!

Já com saudades, vou me despedindo por aqui! Deixo as páginas abaixo como pegadas de minhas passadas por algures e alhures. Não tenho mais o que dizer. Se um dia tiver algo que acredite valer a pena, retomo de onde estiver. Por ora ficarei perdido entre estudos e trabalho no espaço que vai de Minas a São Paulo. Para não ficar fora da rede manterei o blog que falo de minhas leituras, uma vez que será inevitável ler para trabalhar (http://levileonel.blogspot.com) e outro sobre a psicanálise que aplico em meu trabalho clínico (http://psicologoempousoalegre.blogspot.com).
O que descrevi até aqui estará lá borbulhando de acontecimentos, mas numa série que a natureza, e os trabalhos nela, devem ser repetidos segundo uma onda que tem a ver com clima - e clima é bom que se repita. Daí que repetir aqui seria enfadonho! Estarei por lá fazendo as já agora velhas cenas, nos mesmos velhos cenários, com gestos que são perfeitamente adivinháveis. Então, está na hora de ir. Até mais ver!    

sábado, 5 de março de 2011

Águas de março, carnaval na serra e cães!

Chove numa cadência monótona, numa morosidade de fazer dormir. Só carnaval na tevê, com suas escolas de samba podem produzir mais sono. Olho a janela e já não se vê pinheiros há 30 metros ou mesmo a jabuticabeira bem mais perto. É a noite que chegou um pouco mais cedo.
Chove desde anteontem. Tudo encharcado, pau, pedra, os caminhos que nos trazem até aqui, me perdôe o poeta, a vacilada com seu texto, pois é como se aqui fosse o fim do caminho. Ouço a batida cadenciada dos pingos espessos, tilintando nas folhas grossas da cana-da-Índia plantada embaixo da janela. Esbatem, escorregam até o chão e encharcam a grama. Parece que o verão vende caro seus últimos suspiros antes do outono - suspiros que molham, sem consideração, até os ossos. Acho que estou com saudade do outono, para mim, a estação mais bela de todas. Só há um problema. Haverá toneladas de folhas secas para retirar do quintal. Ah, humanos que nunca estão satisfeitos!
Bem, lá longe, na cidade, é carnaval. Nunca pulei carnaval, e não vai ser enrugando a pele na chuva, que vou começar. Deixo para o ano que vem!
Os cães dormiram o dia todo. Comem, bebem, dormem, cuidam das urgências corporais, balançam o couro e pelos para retirar o excesso de água, entram em sua casa e começam tudo de novo. Olho pela janela e vejo Gabi começando este ritual. Pela décima vez?
Cuido de algumas coisas domésticas, faço e refaço uns fragmentos de texto que servirão para uma aula, começo um artigo encomendado sobre os discursos do corpo...

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O psicanalista, a advogada e o silêncio!

Sábado trabalhamos até metade da tarde. Vania em seu escritório e eu em meu consultório, cada com suas angústias peculiares. A minha, do psicanalista, salvo engano e opiniões contrárias, uma vez que há muitas psicanálises e psicanalistas, é poder ir para casa sem levar o sofrimento humano que acolhi e sustentei entre quatro paredes (nada a ver com a peça de Sartre, a não ser por um outro drama), mas sendo tocado suficiente para que a história ouvida não desapareça impiedosamente na massa de meus pensamentos cotidianos. Esse mesmo cotidiano que deverá se impor até que eu esteja suficientemente rejuntado para que, quase esquecido de minhas sessões, as novas histórias da vida de cada paciente possam de fato fazer efeito.  É uma tarefa das mais extenuantes que realizei na vida. E olha que fui, em ordem mais ou menos cronológica, desenhista de jornal pelas madrugadas paulistas, aluno e professor de artes marciais, ultramaratonista (correndo 87 kilômetros semanais para corridas de 10 a 11 horas ininterruptas), terapeuta corporal (muita força e por horas a fio)...
A da advogada, creio adivinhar, seria o alívio de ter dado condições para que se faça uma justiça suficiente? O que será que Vania faz para deixar o descanso semanal de fato ser um descanso? Embora a lide que seu cliente lhe traz seja da existência, poderia eu dizer que não se trata da mesma existência que o analisando me confia no consultório? Ou uma parte da lide poderá ser analisada, mas não há o que o psicanalista pode fazer para seus direitos; ou que ajude na melhor justiça. Uma análise poderia conduzir à justiça? Não quereria responder; muitas vezes gosto de apenas perguntar...
Há um silêncio entre nós, que não tem tanto a ver com as palavras. Trata-se de deixar o doméstico ir tomando-nos no que resta de horas dos nossos dias, principalmente nos fins de semana, incluindo dormir e sonhar. São práticas mais que conhecidas nossas e que podem bem ser feitas sem muita comunicação. Me perguntam se falamos do trabalho. Não fosse pelos motivos de que cada um de nós precisamos deixar espaço mental para as segundas-feiras, o silêncio que nossos códigos de ética nos impõem seria o suficiente para nos impor falar de outras coisas que não dos nossos clientes/pacientes.
É um silêncio insuportável para muitos, mas nós estamos na Serra do Cervo, onde o silêncio é cheio de sons. Barulhinhos de muitos seres que formam um pano de fundo denso e calmo. De quando em vez interrompemos e falamos alguma coisa sobre cães, notícias do jornal, horta, pomar, casa, amor, sexo (que é mistura de silêncio e sons guturais)...
Convivemos com o mais comum em nós que às vezes liga a tevê ou rádio; telefona para um parente; manda e-mails; escreve na rede. Não muito mais que isso, pois uma vida muito cheia é barulhenta demais... e de ruídos já me bastam o alarido dos pensamentos. Quanto a Vania, parece apostar no silêncio da noite suavemente interrompido por uma coruja que resolveu usar um barranco perto da casa para edificar sua morada e produzir descendência. E também de latidos longínquos de um cão que vive do outro lado da serra. Eventualmente um dos nossos reclama, se lhe parece que alguém lhe ameaça o território. Fora isso, é um profundo silêncio e negrume da noite.
Esta noite, por acaso, ouve-se o ribombar de trovões distantes como se fosse um ronronado; no máximo um engasgo de gigante adormecido num colchão de nuvens nas encostas das serras que rodeiam Santa Rita do Sapucaí, do outro lado do vale, lá pelos lados da nascente do Cervo.   

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A matilha aumentou!

Essa é a Meg! A menor das moradoras da Serra do Cervo, adotada há poucos dias; não tem cinco quilos. Foi abandonada cerrada em um saco de aniagem com quase duas centenas de carrapatos, à beira da rodovia que vai para Machado. Ficou dois ou três dias esperando o dono e acabou, para diminuir seu sofrimento, fazendo uma toca no capim, onde foi encontrada por Vania que havia ido a Alfenas para uma audiência e já havia visto dois dias atrás. Seu olhar tristinho nada tem a ver com sua nova vida. Trata-se de uma vermifugação que ela certamente não estava habituada! Tem muito bom humor, com exceção na presença da Kelly, que sem mais nem por quê a irrita profundamente. Ciúmes, claro! Afinal a Kelly era a lulú da casa, até sua chegada. Adora caçar ratos ao redor do pomar e da casa e não abre mão da companhia de humanos, apesar da decepção que lhe impuseram deixando-a ao relento.
Atualmente acredita piamente que é a dona do pedaço, a menina do bloco, eixo no qual gira o mundo, enfim, a própria majestade da floresta! Mas, neste seu humor de soberana sabemos ver, possivelmente, uma reação ao abandono, pelo menos é o que dizem os psicólogos caninos. De nossa parte parece que ela nem passou pelo que eventualmente passou. Nem podemos imagina-la noutro lugar...!
E esta é Bianca! Sua história é a mais sofrida de todos que por aqui estão. Pelo menos do nosso ponto de vista, uma vez que não sabemos que critério usar para comparar! Então, arriscamos nossos critérios subjetivos, ou seja, excluindo o dela. Ela bem poderia confirmar nossas suspeitas, não fosse a dificuldade de comunicação entre cão e gente. Encontramo-la às beiras do Ribeirão das Mortes, grávida e doente, aparecendo costelas aos montes. Quando a trouxemos para cá, habilmente fugiu por uma ranhura da cerca, e ficou desaparecida por 16 dias. Reapareceu na casa da Léia, vizinha a quase quilômetro de nossa casa, a meio caminho abaixo, perto do sopé da serra na beira da estrada. O que vimos, ao corrermos até lá, foi de cortar coração; ela havia perdido seus filhotes que tentou cuidar no meio da torrencial chuva que durou quinze dias e inundou toda a várzea em que se instalou. Fracassou. Estava em pele e osso, há poucas horas de morrer, sem forças sequer para reagir a alguns gatos que a encurralaram na porta da casa. Cheirava indescritivelmente, atacada por trinta e cinco bernes, uma bicheira gigantesca na vagina e uma menor num dos olhos. Foram quinze dias de internação, com todos os itens que podiam leva-la à morte. 
Hoje, ainda em recuperação, os sinais de sua fuga já se desvanecem numa pelagem nova, brilhante e forte. Contudo, os efeitos psicológicos de meses de maus tratos dos antigos donos, particularmente de um homem, são dominantes no seu comportamento; comigo só balança o rabo quando numa distância segura. Com Vania chega se deixar pegar no colo e fotografar. Esperamos que um dia ela possa ter o sentimento de que aqui é seu lugar; que confie, pois confiar é quase tudo numa matilha, ainda que essa matilha misture humanos com cachorros! E humanos, frequentemente, traem a confiança de seus pares; o que dirá desses bichos desprovidos de malícia! 




segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Nietzsche e o chuvisco na serra!

Dezoito e cinquenta e oito; os pingos d'água vão engordando, inflando e, de repente, despencam lá do beiral das telhas. Às vezes dois, três ou quatro, simultaneamente, em várias calhas diferentes. Às vezes um solitário, brilhante, qual pedra preciosa líquida saltando contra o azul escuro do céu que posso ver entre o abacateiro, as jabuticabeiras, e os pés de figo carregados.
Um chuvisco fraco, lento, meditativo, molhando devagar o cimento da pequena área que se estende para o gramado. Nada lembra o dia anterior; a esta hora eu voltava da corrida ao topo da serra e, suando em bicas, ainda podia ser lambido pelos últimos raios de sol. Dezenove e cinco; vou desligar e tomar o lanche que antecipa mais um turno de leitura de "Assim falava zaratustra"... 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A inocência da chuva e os meninos ciganos!

Outro dia falei sobre a enchente de 1999/2000 momento em que o Cervo excedeu seu leito e quis irrigar sua várzea, como nos bons velhos tempos onde nós, os homens, nada havíamos feito contra sua natureza. Naquele fim de ano/começo de ano, ficamos isolados por alguns dias até que consertassem a Ponte do Cervo e pudéssemos ir até Pouso Alegre, ou mesmo, como no meu caso, voltar a São Paulo, a trabalho.
Pois as coisas estão se complicando por aqui! Hoje, quando voltávamos, Vania e eu, para casa, demos uma espiadinha lá para baixo da ponte. Da janela do carro vimos um rio até bem calmo, mas para nossa apreensão, cheio até as braquiárias que enfeiam suas margens. Ele está ao nível do chão de sua calha e isso num dia que choveu pouco, no entanto, com promessa de chuva na sua cabeceira até domingo que vem - ou seja, mais três dias! Amanhã, como plano de evacuação, vou comprar suprimentos para suportar um eventual isolamento!
Em Pouso Alegre bairros inteiros, tal como o São Geraldo, lá no Aterrado, estão alagados, sujos de barro, entulhados de lixo trazido das casas das regiões mais altas, somados ao lixo dos próprios moradores. No meio dessa insanidade do clima, chegando de ônibus, vi uma cena singela, descontado o trágico: dois meninos ciganos mergulham nas águas paradas do lado da Perimetral, enquanto um homem lavava suas roupas sobre um pedaço de cimento arrastado pela chuva, a poucos metros de suas barracas...
O que faz com que sobrevivamos a tamanhas desditas da sorte, como diria Vó Pina? Com que serenidade vamos entrando no rolo compressor da existência! Às vezes com a mesma inocência daqueles meninos mergulhando nas águas excedentes de uma noite trágica...
Mas, a inocência não salva; no máximo nos desculpa. A inocência é tocante; por isso nosso sofrimento é maior ao vê-la derreter na chuva sem trégua.

sábado, 8 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

Sobre chuva, pontes e corridas a pé !

Tenho falado de chuva por aqui, algumas vezes este ano, de modo repetitivo até. Mas justifico dizendo que desde criança, ou melhor, para não exagerar, desde menino, isto é, ao redor de oito anos, curto uma paixão desmedida por estes úmidos pontos que enfeitam o mundo. Já corri riscos consideráveis na chuva, como, por exemplo, aos vinte e seis anos, quando caí num bueiro, cujas águas sujas e enfurecidas teimavam em me sugar para as profundezas do chão, o que consegui evitar com o custo de muita pele rasgada nas pernas, peitos e braços. Estava sozinho, fazendo minha corrida de toda tarde, lá pelos lados da Penha, Zona Leste de São Paulo. Tudo porque queria fazer meu treino para a São Silvestre na subida da Rua Gabriela Mistral, que tinha a inclinação da Consolação e quase seu tamanho. Naquela época a gente subia, já no final da corrida, a Consolação e não a Brigadeiro, como se consagrou atualmente. Saudosismo meu, mas gostava mais; achava mais glamurosa.
        Bem, como já se sabe, se estou vivo aqui, acabei saindo da boca de lobo pelas próprias forças. Mas não aprendi nada com o acidente. Continuei correndo na chuva como se nada tivesse acontecido. Por fim, jamais passei outro apuro como aquele. Fora as bolhas d'água nos pés numa maratona no Rio, embaixo de chuva. Não sei por que, mas o atrito de sapatos de corrida na pele enrugada pela umidade se torna um suplício. Ali aprendi a passar vaselina nos pés e dedos e a andar com uma pequena porção num plástico que guardava amarrado à cintura. Nunca precisei parar para besuntar de novo os pés, mas jamais me arrisquei a passar pelo flagelo do Rio, mantendo comigo a pequena porção daquele líquido pastoso e salvador.
       Bem, agora corro nas curvas maravilhosas da Serra do Cervo e, creio, acidentes como tais, ficam minimizados. A grande quantidade de água que despenca do firmamento já encharcou a terra e estamos nos aproximando de seu pico máximo, onde o Rio do Cervo poderá, como em fins de 1999 e começo de 2000, avançar sobre sua calha e até mesmo por sobre a ponte do Cervo. Naquele verão ficamos isolados por dias, com sua ponte interditada por abalos nas pernas. Neste verão de 2010 estamos fazendo compras sempre pensando que poderemos ficar presos do lado de cá do rio. Na verdade, acho isso romântico e nem me passa pela cabeça prescindir dessa fantasia na vida que levo por aqui. No entanto, talvez pela idade, minha paixão pela chuva ficou mais contemplativa; já não saio tanto por aí, correndo embaixo dela, como se estivesse num rito iniciático.
       Nas vezes em que passar da contemplação para um corpo a corpo com ela, prestarei atenção redobrada para não ser pego por uma tromba d'água lá no vale e encerrar a carreira de pedestrianista apaixonado por correr na chuva. Pretendo correr muita serra acima e abaixo antes de sucumbir a ela... ou à chuva que rola nela! Neste corpo a corpo, quando ela está zangada, sabe deus por quê, quase sempre levamos a pior!