Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Maritacas, máscaras de papelão e Winnicott!

Aqui Dino está exausto de um dia de trabalho voando
pelos bosques. Note o papelão como máscara na
entrada de sua casinha!
Já falei do Dino por aqui. Ser misterioso, que vive numa fímbria entre humano e bicho, usando o melhor de dois mundos - a comida e casa humana, bem como árvores plantadas há duas décadas para fazer um grande bosque. Nas horas do café da manhã, do almoço e do jantar, Dino usa pratos, talheres, xícaras e panelas, para fincar seus pés cheios de dedos e unhas finas e afiadas, enquanto devora biscoitos maria e pedaços de sanduíche de cereais integrais com um pouco de queijo imersos em café orgânico.
Ao fundo parte do bosque plantado para nossos prazeres
e agora tomado pelo Dino e seus asseclas (um monte de
amiguinhos e amiguinhas aparecem, diariamente,
para lanchar o conteúdo de seus comedouros)!
Dino é um destes seres que tiveram o destino atravessado por humanos e que daí em diante só fazem sentido misturados com eles.
Esse serzinho verde foi criado em caixas de papelão em seus primeiros dias, e depois, se negava terminantemente a se mudar para essa de madeira. Não conseguia reconhecer a portinhola que tanto amava! Daí, Vania lembrou e bateu para o psicanalista aqui, Winnicott, com sua teoria dos "objetos transicionais" - aquelas chupetas, paninhos, bichinhos de pelúcia e outros objetos que representam a mãe para os bebês humanos. Porque não fazer uma máscara de papelão e colar na entrada da casinha de madeira? Fizemos e funcionou imediatamente! Dino olhou para a máscara de papelão, emitiu alguns pios muito diferentes, gargalhou, como só as maritacas fazem e, entrou, bamboleando sobre as perninhas cor grafite, em sua amada caixa de "papelão". A aplicação da teoria ficou meio estapafúrdia, mas o que importa é que o Dino aprovou!
O bichinho descansando à sombra da área coberta numa
tarde sol de inverno!

sábado, 30 de junho de 2012

Ainda o outono!

O outono oficial já terminou há alguns dias. É uma meia estação, dizem. Mas entre outono e inverno creio que há uma estação que medeia, que fica entre uma e outra; uma estaçãozinha em que reconhecemos os olhos de uma e o nariz da outra. Bem, o que quero dizer é que atrasei em blogar o texto abaixo e estou justificando-me. Acho que ainda há algo de outono neste inverno e isso me dá a deixa... pois,

"Penso as chuvas de outono como aquelas últimas águas que ficaram atrasadas para um encontro com suas parceiras em outras terras do mundo. São irmãs, primas, sobrinhas e filhas nascidas daquelas chuvas grandes, adultas, que passaram por aqui entre novembro e fevereiro. Essas mães das chuvas de março e abril, começaram densas e cálidas, nas festas de fim de ano, apresentando-se familiares em dezembro e fazendo carnaval no início de março. Seu humor variava extraordinariamente; ia do complacente à fúria em poucos minutos, deixando confusa a platéia - por acaso eu e Vania, mas que bem poderia ser um sabiá, uma gralha ou um cervo; as saúvas, os cães ou as siriemas; ou ainda vacas, urubus e tizius. Agora a calma das manhãs e tardes outonais são menos sistematicamente interrompidas pelas chuvas. O sol fulgurando no céu azulado é esfriado por uma brisa seca que facilmente se transforma em vento cortante - mais pelo frio do que pela velocidade.  
Tentando não assustar o chen-chen que pousou na cumeeira da casa, interrompo a leitura e vou buscar descanso para os olhos na paisagem ao longe. A tarde chega e ainda posso ver casinhas banhadas pelas últimas luzes solares, encravadas em vãos de vales ao longo do Rio do Cervo. Não posso controlar a sensação de que estou morando em um ninho da mãe-terra, tal qual qualquer outro ser vivo no dorso desta serra. Um sentimento inominável corre por dentro. Solenidade, sacralidade, medo mítico, amor filial?
Bom, meus olhos pesam e começo a desejar o conforto do sono. Daqui em diante fica por conta dos lobos, corujas, curiangos, morcegos e grilos vigiarem para que tudo aconteça como ontem e o sol possa ser ajudado em seu levante preguiçoso daqui a horas. Eu já fiz minha parte". (Escrito em 2003)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Outono, Dino e outros bichos!



O Outono já vai limpando com sua vassoura de vento os vestígios do verão e ouço na serra o ronronar das árvores farfalhando, eriçadas pelas mãos insinuantes do vento sul à tarde e noite. De madrugada o sopro vem do norte e passa por sobre nossas cabeças indo ter com o vale lá embaixo. Os ciprestes já mostram seu amarelecimento feito de milhões de pequenas sementes que vão secando e lhe dando o tom dourado ao Sol. Dependuradas de cabeça para baixo, presas por garras finas e fortes aos galhos rústicos, vejo maritacas, periquitos e tirivas quebrando-as, uma a uma, num trabalho paciente que não sei dizer se se trata de comê-las ou apenas um exercício do bico.
Talvez apenas brinquem com as sementes dos ciprestes! A prova pode ser as gargalhadas que dão zombando de minha ignorância. Olham para mim com seus olhinhos negros, torcem a cabecinha verde e falam num idioma que não conheço, mas que, certamente, estão me colocando na pauta de gozação do dia...
Depois voam brilhando seu verde azulado com matizes de amarelo e vermelho sob os raios solares que incidem sobre sua penugem bem penteada.
Às vezes ouço uma vozinha esganiçada vinda do milharal e tenho certeza de que se trata do Dino, que apresentei na última blogagem... Bem, Vania  e eu chamávamos aquela maritaca por "Dino", para nos referir ao Dino da Silva Sauro, da tevê. Entretanto, para nosso constrangimento, um especialista nos disse que se trata de uma "Dina", pois suas penas não são tão coloridas quanto as dos machos. O que será dela que tratamos como macho?! Acabará tendo que conversar com um especialista para encontrar sua verdadeira identidade? Só o deus das maritacas para interceder por ela...
Sim! O Dino, quero dizer, a Dina, já escapuliu e voou de casa, ganhando mundo. De vez em quando, assustado (desculpe! assustada) aparece para comer umas guloseimas humanas, como pão integral e queijo, voando para seu destino em seguida. Bem, às vezes dorme em casa, pois a Dina experimentou esta loucura que é a casa humana e os afagos de Vania em seu redondo bico e macias penas... E adorou!
Enquanto isso, lá fora, nos ciprestes, o mundo das maritacas anda no ritmo de sua religião, fruindo das benesses de mais um outono ofertado por seus deuses. E eu aqui, invejado de suas certezas...

Pos scriptum: Esses prazeres de conhecer o Dino só foram possíveis pelo carinho do Gideon, aquele do Posto Bambuí, que teve o desprendimento de nos trazer a maritaquinha que embevece Vania na foto acima. A história é a seguinte: o Dino caiu da caixa d'água sobre sua tevê; por um dia e meio ele cuidou do filhotinho e depois trouxe a nós para que cuidássemos dele. Nada sabemos dos pais de Dino, um órfão que seu deu muito bem! A começar pelo próprio Gideon que permitiu que o bichinho podia ficar conosco... O Gideon é aquele mesmo que um dia nos trouxera a Gigi, que contei a história mais abaixo. Grande sujeito...
      


terça-feira, 15 de maio de 2012

Chegou a hora de dar mais um passo e...

...investir mais energia na construção final do Centro Vivencial Rural (o Ashram Rural, para os conhecidos), herdeiro do "ashram" de São Paulo.Venderei uma parte da serra que cuidei nos últimos 18 anos, plantando em grande parte e outra deixando-a por conta de si mesma virando mata e tornando-a ecologicamente sustentável.  Gostaria de ter vizinhos que se afinam com esses pensamentos; por isso, deixo aqui o link para maiores informações. De vez em quando colocarei mais imagens do local. Se não lhe interessa, por favor envie a alguém que possa gostar da ideia.
http://vende-sechacaras.blogspot.com.br/2012/05/construa-seu-refugio-no-alto-da-serra.html

domingo, 11 de março de 2012

Gigi e Dino, mais duas histórias de pássaros!


Dezessete anos depois de incluirmos em nossas vidas as preocupações usuais com um sítio, ou, como se diz por aqui, a roça, nossas histórias com a turma alada já se tornou uma lista infindável. Assim, Gigi, uma pomba e Dino uma maritaca, são apenas mais dois exemplos de relações assimétricas, quero dizer, nós cuidamos e eles são cuidados - simples assim. O que primeiro chama a atenção é o desamparo inicial desses pequenos seres que nada deve ao bebê humano. Ambos só podem existir na máxima dependência, alimentados com diligência, por uma mãe (às vezes por um casal que se forma para esse fim) que deposita ou oferece alimento fomentador de energia com a qual um industria penas à espera do florescimento dos instintos, o outro cria uma mente, um corpo expressivo e outros prodígios da espécie humana. 
O primeiro fará do voo talvez sua característica fundamental, o segundo terá no desejo um voo com poucas penas e, com isso, voa feio, inseguro e sem direção precisa. O primeiro funda-se em si mesmo, sem diferença entre o que necessita e o que obtém. O segundo funda-se no outro e deseja o que não pode obter.
A Gigi, uma esbelta pomba citadina - na foto olhando com muita curiosidade o que se passa fora dos poucos metros do consultório, sua moradia provisória - tornou-se uma presença inolvidável, com seus arrulhos e sisudez. Suas penas ainda estão se fortalecendo, mas já arrisca um voo circular que vai até a cabeça de algum transeunte e de volta à janela segura, onde Vania a espera com papinhas e outros acepipes. À noite dorme sobre um pequeno baú de madeira que escolheu entre muitos outros lugares para pouso. De vez em quando, pousa sobre meus ombros para descansar de seu curto passeio pelas redondezas, enquanto digito qualquer coisa.
Já nos preocupa o que será de uma pombinha que não tem a vivência daquelas criadas por mães nos telhados das casas e iniciadas na malícia de fugir dos carros, gatos e cachorros - além de uns meninos e adultos que atiram-lhes o que tem à mão para causar-lhes dor. Preocupações de pais, embora postiços. Entre muitas aflições, questionamos se a soltaremos no horto, na cidade, ou no campo. No campo encontrará as majestosas pombas do ar, que não terão nenhum prurido em a expulsar das redondezas (especialmente se a Gigi for "o" Gigi!). No horto e na cidade parece que ela vai enfrentar relações com gente, que pode não achar nenhuma graça num pássaro descendo do céu sobre sua cabeça... além disso,  não teme seus predadores!
Anteontem um vizinho nos trouxe o Dino um filhote de maritaca, que tudo indica deverá nos dar as mesmas dores de cabeça. Vania decidiu que é macho, porque, como diz ela, são todos carentes, folgados e exigentes. Creio que ela tem razão sobre os machos; e o Dino só pode ser um deles! Note-se que a pomba Gigi chegou até nós depois de ter sido abandonada numa caixa com outro filhote já morto, numa tarde de sábado, anunciando uma tempestade. Naquele momento estava nas condições do Dino no filme acima; sem penas, com o bico mal formado e com uma fome de doer.
Ps.: A propósito da última blogagem "Ninho Vazio", agora nós estamos passando pela esquisita sensação de esperar a Gigi, que não volta para casa faz vinte e quatro horas. Dizem os vizinhos que a viram com outros três pombos em cima de nosso prédio. Conservamos o pequeno baú que lhe serviu de poleiro lá no lugar que escolheu e deixamos a janela aberta, na eventualidade de querer nos visitar e comer queijos, que tanto adora.