O outono oficial já terminou há alguns dias. É uma meia estação, dizem. Mas entre outono e inverno creio que há uma estação que medeia, que fica entre uma e outra; uma estaçãozinha em que reconhecemos os olhos de uma e o nariz da outra. Bem, o que quero dizer é que atrasei em blogar o texto abaixo e estou justificando-me. Acho que ainda há algo de outono neste inverno e isso me dá a deixa... pois,
"Penso as chuvas de outono como aquelas últimas águas que
ficaram atrasadas para um encontro com suas parceiras em outras terras do
mundo. São irmãs, primas, sobrinhas e filhas nascidas daquelas chuvas grandes,
adultas, que passaram por aqui entre novembro e fevereiro. Essas mães das
chuvas de março e abril, começaram densas e cálidas, nas festas de fim de ano,
apresentando-se familiares em dezembro e fazendo carnaval no início de março.
Seu humor variava extraordinariamente; ia do complacente à fúria em poucos
minutos, deixando confusa a platéia - por acaso eu e Vania, mas que bem poderia
ser um sabiá, uma gralha ou um cervo; as saúvas, os cães ou as siriemas; ou
ainda vacas, urubus e tizius. Agora a calma das manhãs e tardes outonais são menos
sistematicamente interrompidas pelas chuvas. O sol fulgurando no céu azulado é
esfriado por uma brisa seca que facilmente se transforma em vento cortante -
mais pelo frio do que pela velocidade.
Tentando não assustar o chen-chen que pousou na cumeeira da
casa, interrompo a leitura e vou buscar descanso para os olhos na paisagem ao
longe. A tarde chega e ainda posso ver casinhas banhadas pelas últimas luzes
solares, encravadas em vãos de vales ao longo do Rio do Cervo. Não posso
controlar a sensação de que estou morando em um ninho da mãe-terra, tal qual
qualquer outro ser vivo no dorso desta serra. Um sentimento inominável corre
por dentro. Solenidade, sacralidade, medo mítico, amor filial?
Bom,
meus olhos pesam e começo a desejar o conforto do sono. Daqui em diante fica
por conta dos lobos, corujas, curiangos, morcegos e grilos vigiarem para que
tudo aconteça como ontem e o sol possa ser ajudado em seu levante preguiçoso
daqui a horas. Eu já fiz minha parte". (Escrito em 2003)