Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

sábado, 4 de julho de 2009

O Rabicho e a dissertação!

Ontem e hoje passei escrevendo um resumo de minha tese para o III Encontro de Estudos da Linguagem da UNIVÁS, a acontecer em 14 e 15 de agosto. Então tudo que vi da serra foi através de uma janela que emoldura lindas paisagens no horizonte. Por exemplo uma serra denteada na direção dos Fernandes. É show e peço bis toda hora...! Isso vai acabar me atrasando!

Anteontem, quinta, saí de São Paulo com o tempo mudando; uma cálida manhã passou a uma tarde fria e úmida; ao chegar em Espírito Santo do Dourado a temperatura estava ainda mais baixa! Já sei que sempre se conta menos quatro graus que São Paulo, mas desta vez o contraste passou dos dez. Ao chegar em PA, como de costume, fui até o estacionamento da rodoviária, por volta das vinte e duas horas, e lá encontro Vania com o Rabicho, o único dos cães que se atreve a entrar no carro. Na verdade, ele sente grande prazer nisso! Já conhece todas as palmeiras, postes, lixeiras e alambrados disponíveis para uma mijadinha de demarcação de seu território. V. fica ali, pacienciosamente esperando que ele entre no carro (eu idem), para que voltemos todos para casa. Mas o cãozinho tem todo um ritual que inclui ir e vir, girar sobre os calcanhares e erguer uma perna na ida e depois a outra na volta. Uma gotícula de líquido molha um capim mais saliente, depois uma casca rústica de uma árvore.

Como o Rabicho é dirigido principalmente pelo nariz, ao chegar perto do carro o chamo e ele vai na direção das mais diversas pessoas, olhando atentamente no rosto, pra identificar o amigo que tanto adora. Às vezes quase me ofendo com sua incapacidade para me identificar de longe! Não raro, com aquela carinha boba, aquele nariz preto e fino, fica olhando uma mulher tentando ver se não sou eu. Nem mesmo meu sexo ele sabe! Me justifico, já que com ele este argumento seria inútil, que os seres humanos mudam tanto de uma hora para outra, usando roupa, óculos, penduricalhos nas orelhas, cobertura na cabeça, que só resta-lhe confiar em algum traço do nariz, um naco da boca, uns fios de barba e cabelo, um jeito de andar, para se convencer de que conhece quem lhe chama. Então o perdôo por quase nunca saber quem sou eu no meio de outras pessoas. Quando ele se convence de que eu sou eu mesmo, aí é uma festa! Abana o rabo... não, chicoteia o rabo com tal vigor que o corpo todo é usado nesse movimento! Depois se distrai mais um pouco com os postes e flores.

Me esqueci do tempo! Enfim, acho que falava do tempo porque neste momento chove forte e é algo que jamais aconteceu em julho desde que aqui chegamos, quinze anos atrás. É aconchegante, mas um pouco estranho. V. também acha, mas não perdeu tempo e plantou alguns caroços, já brotados, de abacate, nos limites da propriedade, mais precisamente nas terras do vizinho sul, que, aconselhado por nós, deixou uma pequena reserva à volta de suas nascentes. É justamente nesta reserva que V. colocou as sementes em berço esplêndido “para tratar dos bichos que são tímidos demais para virem comer perto de casa!” A chuva aguou o suficiente para os próximos dez dias... (Na foto, a esquerda, nosso heroizinho preto com Vania fazendo suas inspeções diárias no corpinho de Gabi; atrás, partes do Soneca Golden Boss)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

terça-feira, 30 de junho de 2009

Deus x EUA!

Não sou torcedor de um time do coração, como se diz, mas daqueles que só vêem jogos da seleção! Portanto, sou dos que torcem uma ou outra vez, frente a tela de tevê, e isso “coincide” com jogos de copas mundiais ou, como nesse caso, grandes jogos internacionais. Isso produz desvantagens óbvias nas conversas com meus amigos, tal como a da tarde de domingo, em casa de Zé Maria, onde nada sabia sobre seus times de origem, onde jogam, na Europa, no Barein, etc etc. Não tenho hábito de acompanhar time do estado ou da cidade onde moro, mas prometi a mim mesmo que vou fazer progressos nesse sentido, começando por assistir jogos do time de Pouso Alegre! Espero ficar tão ansioso quanto nas partidas da seleção. Brincadeira! Nada pode produzir o efeito futebol em mim, exceto os canarinhos (fora de moda dizer canarinho? Agora já escrevi!).
Mas tem algo que me incomoda profundamente, cada vez mais se repetindo, nestas tentativas de me divertir com o time brasileiro. É que não mais tenho certeza de que estou torcendo por um time de futebol, ou por uma seita cristã em cruzada contra outras seitas cristãs. Desta feita, quando um tal de Lucio marcou seu gol eu não soube se devia admirar sua arte, seu talento no esporte, ou devia desconsiderar o show de controle, a técnica admirável, a precisão absurda, o senso de oportunidade, e cair de joelhos pelo talento de um certo Cristo ou Deus que dirigiram sua cabeça para o feito. Fiquei sem saber se os americanos tiveram menos fé em Deus e por isso foram castigados pela insolência perdendo a partida, no último dia do certame (xi! Isso também está fora de moda; é do tempo do Silvio Luiz!). Ou talvez não soubessem que Deus estava do lado dos brasileiros e seu único destino era o fracasso. Quase me senti ofendido por não me avisarem que competição se tratava. Fiquei longamente em silêncio, olhando aquela manifestação midiática, de uma convicção íntima imposta ao mundo todo; mesmo quem não é cristão ou é ateu, teve que engolir aquela grosseria se quisesse se divertir com sua seleção. Como os não-cristãos ou os cristãos de outras seitas, poderão assistir um jogo laico, pela bandeira do país, e demonstrar seu apreço pelos seus heróis? Afinal, eu assisti uma partida de futebol entre duas seleções de países diferentes se digladiando desportivamente ou dois partidos religiosos provando sua fé à base de chutes na rede do time ímpio? É, no mínimo uma competição de mau gosto, desrespeitosa e deselegante. Gostaria de ser poupado do engôdo de estar torcendo por uma cruzada cristã ao invés de me emocionar com a competição esportiva entre dois times. Me sinto ridículo no final do jogo, sem saber qual era o fim do jogo; qual era o gozo a que devia meu alívio final; a quem deveria brindar?
Fico me perguntando se aquelas camisas com palavras de ordem apareceriam se o time brasileiro tivesse perdido. Um tal de Kaká não agradeceria a Deus por ter perdido a partida? Teria o topete de não mostrar a camisa escrita, desobedecendo seu Deus, achando que o resultado não seria digno de ser inscrito no corpo. Vou dizer! Não sei de que matéria é feita essa turma dos escritos religiosos no corpo; desconfio que desrespeito e deselegância para com o país, trocando uma competição por outra – a esportiva pela religiosa. Bem, como sou torcedor de copa, só daqui doze meses terei que passar por essa bizarrice para ver um bom espetáculo de futebol. Até lá terei esquecido, creio. Neste quesito os americanos deram um show de respeito esportivo! Nenhuma inscrição, que eu tenha visto, que enganasse o telespectador (se bem que perderam, nunca saberemos que inscrições escondiam na manga!).
Ah! Antes de encerrar... Claro que os kakás, lucios, robinhos e outros tem o direito de agradecer a um deus etc, mas eles devem admitir que fica muito difícil imaginar o outro time agradecendo a Deus por ter perdido. Quem perde faz o que com essa informação: “Graças a Deus vencemos!” Devo entender que graças a Deus o outro perdeu? Pelo ridículo da situação preferiria que os jogadores agradecessem em suas igrejas. No campo, só homenagens a sua nação. Por favor, dediquem suas vitórias à nós os brasileiros! O deus de vocês não representa toda a diversidade de crenças do Brasil.

domingo, 28 de junho de 2009

O dia em que Gabi chegou em nossas vidas!























Primeira foto a chuva que se aproximava; segunda Gabi, no dia em que chegou em casa; e as seguintes Gabi hoje.
A tarde de chuva de ontem convidava a algumas horas de leitura; foi o que fizemos. Eu, às voltas com a pesquisa sobre o teatro de Pouso Alegre, lendo sobre Memória (Memória da Língua de Maria Onice Payer), só sendo interrompido pelo prazer de ouvir ao longe o ribombar dos trovões que deslizavam pelas serras do outro lado do vale do Cervo. Ao longe a claridade azul-chumbo das nuvens se confundia com o mesmo azul-chumbo das colinas que nos separam de Santa Rita do Sapucaí. A chuva pesada e reta, sem um toque sequer de vento, molha com sua frialdade todas as milhares de árvores que plantamos no dorso da serra, para que servisse de moradia decente para nós e eventuais animais selvagens. Também para nossos amiguinhos caninos – Rabicho-bicho-nice, Soneca golden boss (o chefinho), a Kelly-lulu-star (estrela que se faz fotografar em todas as ocasiões) e a nova moradora da serra, Gabi-blue (o blue vem dos olhos azuis de uma amiga querida de V). Ficaram a tarde toda em seu confortável canil. Só para constar: canil aberto, sem restrições; apenas nosso comando firme e tranquilo – “todo mundo para casa”. E só. Inclusive Gabi, que sai com suas orelhas desalinhadas, uma para o centro, outra para a lateral, a língua molhada pendente para o outro e vai pelo trilho marcado na grama pelas patinhas macias de todos.
Há mês e pouco, já o disse aqui, V. e eu, num domingo de manhã, fomos fazer uma visita ao Zé Luiz e Vanderléia, no sopé da serra. Ao voltarmos catei alguns lixos entre latas de cerveja, sacos e garrafas plásticas, que “enfeitavam” a estrada que liga E. S. do Dourado ao Cervo e me dirigi para uma lixeira que nós mesmos colocamos ao chegar na região, quinze anos atrás. Trata-se de um latão de duzentos litros, preso a uma viga enterrada no solo, que fica bem na esquina formada pela estrada asfaltada e a estradinha de terra que vai dar em nossa propriedade. Ainda reclamava da insanidade das pessoas que sujam sua própria casa, rabugento por alguém fazer do mundo um grande aterro sanitário a céu aberto, quando ouvi um grito de Vania, já meu conhecido. É um daqueles sons que, no modo dela dizer, saem de seu corpo sem nenhum aviso – uma mistura de espanto, surpresa, prazer, dúvida; às vezes mais um que outro. Olhei e a vi com um cachorrinho nas mãos, de cores e aspecto que bem podia ser confundido, a certa distância, com um ouriço, um gambá, uma raposa, um gato; mas não, se tratava de um cãozinho; um filhotinho mortalmente assustado. Certamente lá estava quando descemos a serra, mas sua localização, bem atrás do latão de lixo, entremeio ao capim da mesma cor de sua pelagem, bem como sua obstinação em não se mexer, fez com que não o víssemos.
Por alguns segundos V. aninhou o bichinho no colo, pois estava frio e sua malha lhe pareceu quente e acolhedora. Imediatamente, sem refletir, decidimos que ele iria conosco. Mas havia um problema a enfrentar com delicadeza. Ele estava definido a esperar ali por seus antigos donos. Por uma lógica muito própria sabia que devia ficar ali por que fora naquele lugar que tivera a última visão de seus donos amados. V. chamou-o com sua mais doce voz, para que pudesse dar-se a desistir daquela espera infrutífera. E ele ali parado, tentando se esconder mais ainda. Tentou uma segunda vez levando-o mais alguns passos estrada acima; mesmo resultado. O filhotinho voltava amedrontado para seu nicho improvisado, deitando-se exatamente onde o deixaram na noite anterior. Víamos seu desespero, a fome na barriga encurvada, aquele nariz comprido e olhos meigos e entristecidos, olhando para nós e dizendo: “Não, não devo, ainda há esperança!”. Mas não havia... Quem o deixou fez uma delicada coleira de capim e uma pequena corda, também de capim, que fora presa por uma pedra. O intuito era óbvio; não deixar que fosse atropelado até que uma gente qualquer por ali passasse e o resgatasse. Fora o último ato de amor de seus donos. E o cãozinho ali, obstinado em esperar, com seu nariz longo e triste; as últimas esperanças por se esvair. Cedemos as evidências – o cãozinho não iria conosco espontaneamente; peguei-o no colo e descobri, erguendo seu corpinho peludo com delicadeza, que era “ela”. Ele era ela e nos pareceu mais aflitivo ainda que uma cachorrinha passasse por drama tão radical. Talvez por acharmos, com ou sem razão, que as fêmeas são mais apegadas ainda que os machos ao seu território, à casa, sabe-se lá. Depois de algum tempo, coração apertado, sem sucesso com nossos incentivos, com meus melhores gestos, retirei-lhe devagar a coleira improvisada – o último carinho, a última onda de cheiros de seu dono. Mijou de medo, olhando para o latão de lixo e o matinho tão seguro, embora pouco promissor. Acho que me odiou, naquele momento. Eu era a pior coisa que podia lhe acontecer... Resolutamente, ainda que pesando seu desespero, decidimos ir embora, e ela encolhendo as orelhas, revoluteando em meu colo, tímida, triste, triste, sabendo que não podia sair dali... Se esforça por descer e voltar ao matinho que era sua referência de vida. E eu, vem com a gente, que temos comidinha!, passando muito devagar as mãos sobre sua lanugem para não assusta-la ainda mais. Disse, filhotinho, você deve preparar-se para uma nova vida, por que a que teve até agora nunca mais viverá. Mais para mim mesmo do que para ela. Sabia que não alcançava nada do que dizia. Sabia que fora amada, cuidada, mas agora chegara a hora de tomar outros destinos. Esperei, naquele momento, que pudéssemos dar uma vida que fosse condizente com ela. Talvez a Serra do Cervo viesse a se tornar um lugar onde pudesse edificar seu corpinho e desvelar todos seus potenciais...
No mesmo instante, antecipando todas as horas de preocupações, cuidados e prazeres, que a filhotinha nos daria, Vania inspecionou-lhe as orelhas e pelagem e chegou a conclusão de que não havia doenças, pulgas ou sujeiras. Seus antigos donos banharam-na, pentearam-na e a alimentaram, como um meio de garantir que alguém se seduzisse por ela!
De jeito nenhum aprovamos que se soltem filhotinhos, nas estradas e ruas de cidades; até mesmo achamos que se deve punir a irresponsabilidade dessa prática-crime, prevista na lei. Achamos, por uma lógica nossa, que os mesmos que jogam lixo na rua emporcalhando o mundo, são os que descuidam dos bichos que dizem amar. Pode não ser uma lógica rigorosa, mas, futuramente, ao contar a saga do Rabicho e do Soneca, espero demonstrar uma das maneiras mais comuns de como isso se dá.

Bem, e foi assim que começou nossa história com Gabi, de Gabiroba, não de Gabriela, por favor!