Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

domingo, 6 de junho de 2010

Feriado, amigos e o pudim!

     Feriadão! Quinta cheguei à serra de ônibus, extraordinariamente. Em geral chego mais cedo em Pouso Alegre e depois venho com Vania para cá, de carro. Mas, quando ocorre feriado nas quintas, ela não vai à cidade e aí me viro com o ônibus que vai para o bairro Passa Quatro. É muito singelo! Pessoas vão embarcando nas paradas da estrada que vem até Espírito Santo do Dourado, com suas caras de feriado, meio sonolentas às dez da manhã, com sacolas de plástico e bolsas ou mochilas. Os homens quase sempre com seus chapéus de palha ou couro, desgastados pelo uso; as mulheres vestindo roupas antiquadas. Os rapazes, apesar do frio, usam camiseta e calças de brim, já bem desgastadas; as jovens, melhor vestidas, vestem roupas que bem poderiam ser usadas no metrô de São Paulo.
     Me ergo, puxo o fio da campainha. O ônibus para. Agradeço e desembarco, me dirigindo por uma estrada de terra íngreme e já poeirenta por causa do inverno e a falta de chuva por dez dias. Na sinuosa estrada de terra já vejo à distância, Vania e os cães. Veio abrir o portão porque estou sem as chaves. Todos me cumprimentam como se eu fosse aquele que faltava para completar a matilha. Excetuando Vania, para quem esta lógica tem outras entradas, cada um deles sabe algo de mim que me faz esperado. O Soneca sorri de orelha a orelha, apertando os olhinhos castanhos; o Rabicho se contorce me arrebatando às chicotadas com seu rabo que bate sem dó no portão de ferro, nas minhas pernas etc. Me pergunto se seu rabo é indestrutível! A Gabi late e se abaixa como que para saltar sobre mim - o que, felizmente, não faz, e desliza para baixo pedindo um cafuné; Kelly late, histérica, e espirrando - um cacoete que lhe dá uma singular figura de louca desesperada pela minha aparição na estrada. Balança o traseiro e sai pulando em cima da Gabi, rosnando ferozmente, enciumada pela minha presença, como que dizendo: "eu conheci ele primeiro; ele é meu e você se coloque no seu lugar! Você foi achada na estrada e eu num pet shop de São Paulo" Vania, com bochechas rosadas e riso amplo, assiste essa cena e meneia a cabeça como se não estivesse acreditando no que vê.
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     Sexta trabalhamos na "jardinagem" do sítio! A palavra está entre aspas, por que trata-se de uma coisa feita de modo rústico e não com aqueles bordados que se espera da jardinagem, digamos, artística. Trata-se mais de parecer para nós que o lugar está habitado, do que exatamente embelezá-lo. Passamos o dia, com exceção de algumas horas para estudos, numa labuta danada com espinhos do Sansão do Campo, das Bouganvilles e abacaxis selvagens, para deixar a entrada da casa um pouco mais apreciável. Buscamos satisfazer nossos olhos, mas confessamos que também queríamos encher as pupilas e retinas de Carlos e Alessandra que nos visitariam hoje, domingo, com suas duas crianças - o Artur e a Ana. 
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     Ontem, sábado, choveu o dia todo! Uma garoa fina, gelada, calma, apenas agitada por uma ou outra lufada de vento que a fazia penetrar por janelas que rápido aprendemos a manter fechadas. Acabei com uma preguiça danada de correr umedecendo roupas e sapatos, além de pensar na Kelly, que certamente ficaria muito magoada de ter que ficar em casa (quando se molha fica suja até o último fio dos seus longos pelos brancos). Jamais me perdoaria e para sempre me olharia com um olhar tipo "não adianta fingir que nada aconteceu; me lembro bem da humilhação de ficar aqui sendo gozada pelo Chefinho, dizendo: você não é mais a queridinha do Levi! Ele vai conversar com o Pingo, vulgo Costelinha, e com aquele rotweiller, lá no topo da serra e voltar com cara de inocente!". Bem, quase desmarcamos nosso encontro com os amigos para hoje, mas as notícias de jornal e internet informavam que seria um dia ensolarado, o que de fato se deu.
     O resto do dia foi de faxina geral, um pouco atrapalhada pela umidade. Mas terminamos a primeira e maior parte ainda às nove da noite. Assisti um filme na internet e depois um pouco de televisão e dormi o sono dos que fazem faxina... mortalmente cansado, dedos ralados, corpo doído.
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     Domingo brilhante! Às 07:00 o dia estava completo. Devido ao frio intenso a corrida exigiu calças compridas e luvas. Pus sapato de corrida e fui gelar o nariz, os joelhos e as pontas dos dedos, subindo e depois descendo a serra. Kelly feliz da vida, particularmente nos encontros que teve com seus amigos peludos - o tal de Costelinha e o rotweiller-não-sei-que-nome. Trataram-na muito bem, a não ser por um encontrão do sem-nome que a jogou de costas com as perninhas para o ar, protestando muito pelo mau jeito do desastrado. Depois o cão descobriu que ela tinha uma queda por ele e relaxou! Mas a conversa não foi longe; eu tinha que continuar. Nós seres humanos, como eles sabem, somos cheios de compromissos e não podemos gastar tempo com namoro de domingo de manhã. Se fosse à noite, talvez... 
     O resto da faxina me esperava, e foi o que fiz, capitaneado por Vania, até por volta das onze horas, pouco antes dos amigos chegarem. Almoço simples, estilo Minas, com todos os itens, inclusive uma cachaça de Salinas. Saimos pela propriedade para mostrar o milharal já seco e torto pela quebra que o Zé lhe impôs; o pomar zelado e cheio de pomos diversos; as abelhas já recolhidas de frio (a temperatura caiu drasticamente após as quatro horas); o cafezal em grande parte já escarlate, esperando pela apanha. Foi muito agradável! Como domingo é o dia do desregramento alimentar, por questão de regra, ou sei lá o quê, eles trouxeram pudim, o que impediu Vania de fazer um falso brigadeiro. Acabou que o pudim estava divino e a deusa Gula dirigiu nossas vidas por alguns instantes. Os nossos parentes peludos se comportaram muito bem, demorando bem pouco para aceitar a "invasão" de território pelo inimigo. Chegaram a ensaiar algumas brincadeiras e por pouco não frequentaram o colo de um ou outro. Apenas Gabi, apesar de sua delicadeza e olhos tristonhos e sonhadores, como os de Madame Bovary, teve que ficar no canil, pelo medo que impôs às crianças. Sob protesto, diga-se. Tentou atrapalhar falando, quero dizer, latindo, a plenos pulmões para que sua presença não passasse incólume. E conseguiu o intento. 
     Agora, é escrever algumas linhas de um projeto de extensão para a universidade. Vania já está no segundo sono, tal como se diz... Amanhã, segunda, será dia de trabalho no consultório, com todos os detalhes de um dia como outro qualquer, da série de dias que faz uma vida...