Adeus Serra do Cervo!

Você que lê este blog já me viu desistir de escrever nele uma outra vez, mas pelo motivo de não encontrar uma história que valesse a pena. Depois voltei atrás por saudades de falar de terra, de bichos e de meu estado de espírito nas serras. Bem, agora é definitivo! Não voltarei mais a este espaço para descrever minha lida pelas serras do Cervo, simplesmente porque não mais estarei por lá. Se vier a escrever sobre minha longa jornada por cada recanto daquele refúgio o será em outro blog, mas para dizer das saudades, reminiscências e imagens indeléveis desta vivência. Este blog será como uma árvore esquecida na retina do viajante em um trem que dispara pelo campo. Ou como mais uma lápide no grande cemitério da web. Grato àqueles que me brindaram com sua leitura. Antes de fechar de vez este espaço farei uma última blogagem, em respeito aos que me seguem. Manterei, limitadamente, o blog http://levileonel.blogspot.com

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Elmo e as Armas de Joaquim Tobias!

Sexta pegamos o carro e fomos a Espírito Santo do Dourado, onze quilômetros distante de casa. Uma viagem curta e rápida por estradas poeticamente sinuosas, belas como uma pintura de Duchamp. Anoitecia. Os paralelepípedos da cidadezinha já se umedeciam de calmo sereno. As cores tendiam ao pastel. Estávamos em silêncio; sem saber exatamente o que se passava conosco. Que sentimentos tínhamos, vagando por nossos espíritos?

Chegamos em uma esquina; estacionamos perto de uma casa azul. Quatro ou cinco homens sentados na calçada, em frente a casa, nos olharam longamente, a mim e Vania, enquanto nos dirigíamos até lá. Olhavam sem ansiedade ou constrangimento; sabiam porque estávamos lá. Não havia mistério, talvez alguma dor em certo canto de nossos rostos, uma certa rigidez nas faces, mas nada muito vincado. Nos olhos certo aquecimento do espírito, nos gestos um comedimento que eu já experimentara três ou quatro vezes na vida. Tinha a ver – eu o sabia muito bem – com os ritos da morte. Daqueles homens conhecíamos o João. A fala calma, e de certo modo espremida, sai do peito de Vania: O Zé ligou falando do seu Joaquim; que caíra nas pedras...

O João: Não, Vania, foi entre o primeiro e o segundo portão lá da casa de vocês.

O outro: Falei para o Zé que não podia ficar daquele jeito, que a vida é assim mesmo, que tem que erguer a cabeça, que...

O João: Ele teve dores há uma semana, mas não quis ao médico...

Vania: Eram amiguinhos, dividiam tudo entre si, eram sócios em tudo que trabalhavam,  todas as rocinhas, do milho do feijão...

O outro: Eram...

João: Eram mesmo...

Eu: Tenho pena do Zé, que ficará sozinho...

Vania: Como deve ser difícil para o Zé, vê-lo ali naquela situação...

João: Encontrei ele lá no Ademir, cabeça baixa chorando, andando devagar...

O outro: Falei para o Zé que não podia ficar daquele jeito, que a vida é assim mesmo, que tem que erguer a cabeça, que...

Vania: O que será de seu cão e seus gatos e galinhas e vaquinhas e cavalinho...
Entramos na casa, sorumbáticos, silenciosos. Olhamos seu rosto sereno, quase tão sereno quanto quando andava lá em nosso bosque trabalhando sua roça de milho em sociedade com o Zé; Joaquim estava de camisa nova, uma daquelas que jamais usou no dia a dia; o caixão não lhe caía bem, não sei porque. Digo: Prefiro ficar com a imagem dele na serra. Vania desvia duas lágrimas com as costas das mãos.
Embaixo do caixão, colocados lado a lado, seu chapéu de palha amassado, suas botinas rijas e desgastadas e uma sacola com pertences. Penso - é incorrigível em mim - que faltava sua enxada amolada e um machado; tal como se enterravam os guerreiros em certas culturas, com seus pertences de combate. Do Joaquim vi seu elmo usado contra o sol, as botinas que lhes protegeram os pés da rudeza do chão. Mentalmente coloquei ali sua enxada e machado - as armas de um quixote lutador contra ervas daninhas e na faina de corrigir o chão para ali enfiar sementes. Também como Dom Quixote, Joaquim lutava contra alguns mal-feitos e desrazões - só não sei quais.
Adeus Joaquim Tobias! É melancólico que seus pés nunca mais amassem os torrões carpidos nas bordas da serra do Cervo!