No meio dessa lírica, porém extenuante atividade, Vania dá uma olhada para a serra vizinha, às minhas costas, e diz: "Dá uma olhada!" Nem precisei me virar; ouvia o barulho algo monótono da chuva pesada e densa roncando serra abaixo, esbatendo nas duras folhas das amoreiras - aquelas que despencam antes de todas - assim como nas copas cheias das centenas de jacarandás que protegem o regato a sessenta metros dali e serpeia serra abaixo indo ganhar, junto com muitas outras pequenas águas, o nome de Cervo.
Nos escondemos embaixo do Jambolão, cuja copa verde escura, tal como gigantesco guarda-chuva nos acolheu com toda sua paciência de gigante das árvores. Trabalhamos mais um pouco e colhemos abacates e os últimos cambucis da temporada. Nos despediremos deles nesta semana e só nos veremos, pelo menos para a colheita, no verão do ano que vem. Com os cambucis Vania fará mousses, bolos, licores, sucos e molhos para aves e peixes. Começa outra chuva e me despeço do cambucizeiro, prometendo no inverno carpir sua saia e chegar-lhe material orgânico. Em troca ele me prometeu todo fruto que possa consumir. Não me parece justo; dou apenas uma sobra de minhas horas para seu bem estar e ele dá tudo que sabe produzir. Antes que ele descubra essa falcatrua me adiantei e disse que é muita generosidade dele... quem sabe se eu afagar seu ego de Cambuci, elogiando suas folhas de verde rugoso e brilhante, sua copa de jardim, seu frescor e seus incomparáveis frutos agridoces, ele se sinta disposto a me ceder um pouco de seu viço e me adoce a boca nas chuvas do próximo verão.
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